segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

QUANDO A VERSÃO TROPEÇA NOS FATOS

Percival Puggina

07/02/2009

O Caso Battisti trouxe à tona, mais uma vez, o episódio dos boxeadores cubanos empacotados no Brasil e despachados para Fidel. Ressurge a estapafúrdia versão oficial, tão risível quanto depoimento de indiciado em CPI. Julgo que vale a pena recuperar os dados desse lamentável episódio porque a versão oficial continua tropeçando nos fatos.

É verdade, conforme afirma o governo, que o Brasil concedeu refúgio a outros cubanos, como o jogador de handebol Rafael Capote e o ciclista Michel García, e que isso não repercutiu na imprensa. No entanto, comparar esses dois casos com os de Rigondeaux e Lara, para usar palavras de jornalista do Hamas, é uma desproporção. Os dois boxeadores eram astros de primeira grandeza e o interesse da mídia é proporcional à importância dos personagens. Mesmo assim, os outros refúgios concedidos foram noticiados, sim, com o pequeno destaque que mereciam.

Rigondeaux e Lara foram detidos quando torravam dinheiro com mulheres, bebidas e comilanças numa praia de Araruama. Um pouco antes da prisão, haviam sido localizados pelo repórter Gustavo Goulart (Globo, 09/08/07), que apenas os observou sem fazer contato com eles. Relatou o jornalista que ambos ocupavam duas suítes de uma pousada onde também estavam um cicerone carioca, um alemão e um espanhol. Muita farra, comida e, segundo as autoridades brasileiras declarariam pouco depois de os haverem detido por falta de passaportes, um incontido desejo de voltar imediatamente para Cuba... Ora, convenhamos!

Eles não procuraram a polícia. A polícia os encontrou. Não foram mostrados à imprensa. Ao contrário, ficaram em isolamento. O empresário Ahmet Öner, que os recrutou, informou aos repórteres que estava no aguardo da liberação da papelada deles na Alemanha. Mostrou-se irritado com a prisão. Presos pela PM carioca, foram levados para a Polícia Federal de Niterói. O site da Associação dos Delegados da Polícia Federal, registra que: “... policiais da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública) haviam informado que buscavam os dois só para saber se estavam bem, já que o status deles era de ‘desaparecidos’”. Espontaneamente pediram para voltar para Cuba? Ora, convenhamos!

O Observatório da Imprensa, à época, promoveu uma mesa redonda com jornalistas que acompanharam o caso. Dessa mesa participou o desembargador aposentado Wálter Maierovitch, que esclareceu aspectos jurídicos relacionados à questão. Quando um estrangeiro é apanhado sem documentos, tendo entrado legalmente, mas permanecendo além do prazo fixado, a lei brasileira lhe concede oito dias para sair. No caso dos dois boxeadores, a embaixada cubana foi rapidamente notificada e um avião venezuelano veio buscá-los. Tudo a toque de caixa, que El Comandante não estava para brincadeiras.

Você, leitor, leu alguma entrevista dos atletas à imprensa brasileira, enquanto estavam no Brasil? Uma frasezinha sequer? Nada. Só declarações oficiais, dando conta de que estavam ansiosos por voltar para casa e arrependidos do que haviam feito. Era tamanho o remorso que poucos meses depois Erislandy Lara voltou a fugir. Entrevistado na Alemanha, declarou que seu infeliz colega estava “vivendo de bicos” em Cuba, proibido de lutar... Ahmet Öner, o mesmo empresário que patrocinou a fuga anterior, se recusou a maiores esclarecimentos porque “o governo cubano fazia muita pressão” (Estadão, 13/06/08). Ah! Lara quando voltou a escapar, não bancou mais o bobo. Foi para o México. Os bobos estamos todos aqui, ao menos na opinião dos que nos contam histórias e constroem versões que se estatelam contra os fatos. E a verdade quebra o nariz.

http://www.puggina.org/detailautor.php?recordID=QUANDO%20A%20VERS%C3O%20TROPE%C7A%20NOS%20FATOS

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