“ANOS DE CHUMBO”
A ditadura da mentira
Jornal Opção
O Regime Militar de 64 é a muleta moral dos intelectuais — eles o acusam de todos os crimes para melhor acobertarem os próprios
“A revolução é biófila, é criadora de vida, ainda que, para criá-la, seja obrigada a deter vidas que proíbem a vida.”
Paulo Freire, em “Pedagogia do Oprimido”, defendendo os fuzilamentos sumários comandados por Che Guevara e Fidel Castro
JOSÉ MARIA E SILVA - Especial para o Jornal Opção
Com quantas vidas se faz uma ditadura? Na belíssima novela de John Boyne, “O Menino do Pijama Listrado”, essa pergunta é respondida pelo espanto de Bruno, um menino de nove anos. Sempre que ele se surpreende com o mundo do Fúria à sua volta, seus olhos se arregalam, sua boca faz o formato de um O e seus braços caem ao longo do corpo. A obra, uma elegia à inocência da vida que não sabe da morte, deveria ser lida — e meditada — pelos 3.949 intelectuais que, até agora, assinaram um manifesto contra a Folha de S. Paulo, repudiando o editorial “Limites a Chávez”, publicado em 17 de fevereiro último, no qual a ditadura militar brasileira é indiretamente chamada de “ditabranda”. “O Menino do Pijama Listrado” (o livro, não vi o filme) demonstra, metaforicamente, a abissal diferença entre um regime autoritário (circunscrito à esfera política) e um regime totalitário (que permeia todas as instâncias sociais).
As primeiras reações ao editorial da Folha partiram da socióloga Maria Victória Benevides, professora da Faculdade de Educação da USP, e do advogado Fábio Konder Comparato, professor aposentado pela mesma instituição. Esquecendo-se que a universidade que representam arrasta até hoje um cadáver insepulto (o do estudante de medicina morto num trote em 1999), Benevides e Comparato encenaram uma indignação que jamais sentiram diante das quase 100 mil mortes perpetradas pe
O inefável Antonio Candido, decano dos intelectuais de esquerda, encabeça o repúdio à Folha, que também conta com figuras como o indefectível Emir Sader, intelectual que, diante de Che Guevara, cai de joelhos por terra, parafraseando a missa: “Guevara, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e serei salvo”. Quem duvida que Emir Sader é capaz dessa oração diante do guerrilheiro argentino, leia o que ele escreveu num artigo publicado em Carta Maior: “Não vou gastar palavras inúteis para falar do Che. Basta reproduzir algumas das suas frases, que selecionei para o livro ´Sem Perder a Ternura”. Também diante de Marx e Fidel, Sader emudece: “O que falar de Marx que permaneça à sua altura? O que escrever sobre Fidel?”
Se o ensino superior no Brasil, público e privado, não fosse mero aparelho ideológico da esquerda, Emir Sader jamais teria virado doutor em ciência política pe
Estou plenamente convicto de que a universidade brasileira não é solução para nada — ela é parte essencial do problema. As principais mazelas do Brasil são fomentadas artificialmente pela universidade, que, desde a década de 50, na ânsia de criar um novo mundo, especializou-se em destruir o existente. Isso fica muito claro quando se estuda a origem social dos guerrilheiros que pegaram em armas contra o regime militar. Eles vieram, em sua maioria, das universidades. Não tinham o menor apoio popular. Como é que o povo podia apoiar um bando de tresloucados que, de arma em punho, pregavam a derrubada de uma ditadura imaginária? Porque até o final de 1968, com a edição do AI-5, só havia ditadura na imaginação dos universitários.
Foi exatamente durante os propalados “Anos de Chumbo” que o Brasil viveu uma das maiores efervescências culturais de sua história, com os festivais, a imprensa alternativa, a Tropicália, o Cinema Novo, Chico e Vandré, Caetano e Gil. Ao contrário de Cuba, onde Chico Buarque seria fuzilado ou condenado a 20 anos de prisão se falasse mal de Fidel Castro, no Brasil, o máximo que lhe aconteceu foi ser admoestado pelos militares, o que lhe garante até hoje uma conta bancária maior do que seu indiscutível talento. Num ambiente assim, existe alguma razão plausível para se pegar em arma ou até para se perpetrarem atentados terroristas, como fizeram muitos grupos guerrilheiros? Obviamente, não. Em toda guerra, os primeiros sacrificados são os inocentes, portanto, a opção pela luta armada para derrubar um regime só se justifica quando esse regime é sanguinário e opressivo, incidindo sobre toda a vida social e não apenas sobre a esfera política. Era o que acontecia na terra do Menino do Pijama Listrado, daí o Levante do Beco de Varsóvia, em 1943, quando judeus desesperados — não tendo senão uma morte horrenda como alternativa — preferiram abreviar a vida numa luta suicida contra as tropas nazistas.
Mas esse não era o caso do Brasil dos militares. Aqui, os guerrilheiros eram homens e mulheres bem nascidos que, por puro espírito de aventura, jogavam fora o futuro como médicos, engenheiros e advogados e se arvoraram a libertadores da pátria, sem notar que a maioria esmagadora da população — provavelmente mais de 90 por cento — não se sentia oprimida nem pedia para ser libertada. Pelo contrário, o regime instalado em 1964 teve forte apoio popular e quando começou a ser repudiado nas urnas, em 1974, com a expressiva vitória do velho MDB, esse repúdio era mais de caráter econômico que político. A inflação estava recomeçando e os pobres votaram contra a “carestia”, que é como chamavam a inflação na época.
Já escrevi repetidas vezes, mas a ocasião me obriga a escrever de novo: quem acha que no Brasil houve uma ditadura sanguinária, totalitária, nos moldes nazistas (é essa a visão que se tem dos militares nas escolas) deve ler “Pedagogia do Oprimido”, o panfleto de auto-ajuda marxista do pedagogo Paulo Freire. Esse livro — que faz uma defesa explícita da luta armada e santifica Che Guevara, Fidel Castro e Mao Tsé-tung — foi publicado em pleno ano de 1970, no Rio de Janeiro, pe
Mas nem é preciso recorrer à ditadura cubana para demonstrar que os intelectuais brasileiros mentem descaradamente quando dizem que o regime militar de 64 foi uma ditadura sanguinária. A própria história recente do Brasil — contada mentirosamente por eles — mostra a contradição em que incorrem. É só comparar a “Revolução de
Sob o ponto de vista da repressão, Vargas foi muito pior do que os militares. O seu período, sim, foi literalmente “anos de chumbo”. Enquanto os militares procuraram preservar as instituições, garantindo eleições legislativas e a independência do Judiciário, Vargas centralizou todos os poderes em suas mãos, destituindo governadores e nomeando interventores em seu lugar. São Paulo se rebelou, na chamada Revolução Constitucionalista de 32, e Vargas bombardeou o Estado — o episódio mais sangrento da história brasileira no século passado, apesar de ofuscado pela preferência dos intelectuais pe
Se a sanguinária ditadura de Getúlio Vargas merece, nos livros de história, o epíteto de “Revolução de
Um dos argumentos de Maria Victoria Benevides para criticar o editorial da Folha é que não se mede ditadura com estatísticas: “Quando se trata de violação de direitos humanos, a medida é uma só: a dignidade de cada um e de todos, sem comparar ´importâncias´ e estatísticas”. Em artigo publicado, na terça-feira, 24, o jornalista Fernando de Barros e Silva, editor de “Brasil” da Folha, corrobora a tese da socióloga: “Algumas matam mais, outras menos, mas toda ditadura é igualmente repugnante. Devemos agora contar cadáveres para medir níveis de afabilidade ou criar algum ranking entre regimes bárbaros?” Claro que devemos — respondo eu. Todo crime só se iguala em repugnância para aquele que é sua vítima, mas para quem o analisa de fora, especialmente se esse alguém for um historiador, há uma enorme diferença entre matar 100 pessoas ou matar 100 mil. Se Hitler tivesse matado apenas uma centena de judeus, o nazismo seria a encarnação do mal no imaginário do mundo contemporâneo?
Só não vê que ditadura também se mede com estatísticas aqueles que têm medo dos números. Ao ver que nenhuma ditadura capitalista até hoje conseguiu igualar os mais de 100 milhões de mortos do comunismo no mundo, a esquerda inventou esse argumento falacioso de que uma só morte perpetrada por uma ditadura diminui toda a humanidade, como se o homem-massa da revolução marxista tivesse lugar na poesia metafísica de John Donne. Justamente a esquerda, que não faz conta do individuo de carne e osso, só da massa de manobra da revolução. O regime militar não apenas matou muito menos gente do que outros regimes autoritários — também foi capaz de criar um modelo de ditadura que deveria ser exportado. Toda ditadura costuma ser encarnada por um homem só, que se torna escravo do poder que concentra, perdendo inclusive os freios morais. Daí a profusão de ditadores sádicos, pessoalmente sedentos de sangue humano.
No Brasil isso não ocorreu. Os militares criaram uma espécie de ditadura institucional, em que o poder não era encarnado por nenhum homem, mas pela instituição — as Forças Armadas. Nem o princípio federativo foi quebrado num primeiro momento, como ocorreu de imediato com a ditadura de Getúlio Vargas. Antes do recrudescimento da luta armada, ainda houve eleição para governadores e, mesmo depois que elas foram suspensas, o legislativo continuou funcionando. Essa quase normalidade institucional propiciou até o surgimento e fortalecimento de uma oposição que jamais houvera em toda a história do Brasil — a oposição institucional, criada e mantida pelas próprias entranhas do Estado.
Boa parte do chamado movimento social — que hoje alimenta o PT e demais partidos de esquerda — começou a ser construído graças a esse processo de institucionalização do país gestado pelos militares. Começando pelas próprias universidades federais — cobras a quem os militares deram asas. A Reforma Universitária feita pelos militares em 1968 profissionalizou o ensino superior no país, instituindo antigas reivindicações da própria comunidade acadêmica, como dedicação exclusiva de docentes, introdução de vestibular unificado e implantação de mestrados e doutorados. Valendo-se dessa estrutura, os intelectuais de esquerda se infiltraram nas universidades e, a partir delas, forjaram em todo o país um movimento social de proveta, destinado não a resolver problemas, mas a fomentá-los.
Um exemplo são os quase 50 mil homicídios que ocorrem anualmente no país. Eles decorrem, em grande parte, da irresponsabilidade doentia dos intelectuais brasileiros, que, à força de pressionar o Congresso Nacional, levaram à completa lassidão das leis penais, hoje irreversível, já que a mentalidade pueril da esquerda parece ter contaminado até os ministros do Supremo. Não é a toa que o ministro Gilmar Mendes deixa entrever que, a qualquer momento, pode soltar nas ruas 189 mil dos cerca de 440 mil presos do país, muitos deles homicidas e estupradores. Aí, sim, teremos um verdadeiro genocídio da população indefesa, em parte porque a esquerda, com o objetivo de demonizar os militares, transformaram o falacioso conceito de direitos humanos num dogma divino. Como se vê, a criminalização paranóica dos militares só atende a um objetivo — esconder que os intelectuais de esquerda forjaram um país muito pior que o deles.
http://www.jornalopcao.com.br/index.asp?secao=Reportagens&idjornal=332&idrep=2899
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