por Percival Puggina em 21 de julho de 2008
Resumo: As interrogações dos últimos dias podem abrir espaço para uma compreensão mais ampla dos nossos embaraços institucionais.
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É importante que uma sociedade ejete as toxinas poluentes de seu corpo político. No entanto, à semelhança do que acontece no nosso corpo, essas funções purificadoras devem ocorrer de modo autônomo. Não precisamos pensar permanentemente nisso nem expedir determinações voluntárias a tais ou quais órgãos para que façam o que devem. Devemos a eles a saúde que tenhamos porque quando deixam de cumprir com o que lhes corresponde tudo se complica. Suas funções são exercidas quer estejamos despertos ou dormindo, vigilantes ou desatentos.
Numa sociedade organizada não deve ser diferente a ação dos mecanismos que operam os controles institucionais. Quanto mais a sociedade é chamada para o tal “exercício da cidadania”, para fiscalizar o tal “caráter republicano” das instituições, para vasculhar pelos vidros das transparências, ou para cobrar sanção aos que procedem mal, mais nítido se torna o fato de que há uma enfermidade instalada no corpo político. Ou seja, quando os membros da sociedade precisam intervir e exercer diretamente o papel de indispensáveis fiscais dos agentes do poder, colocam-se na situação do cérebro chamado a controlar, consciente e racionalmente, a operação do sistema renal. Há algo errado. Em condições normais as coisas não devem funcionar assim.
Alguns dos recentes episódios que ocupam a cena política e institucional têm produzido benefícios colaterais inesperados. Um deles é o de que, subitamente, as pessoas começam a se interrogar sobre temas até agora inusitados ao debate. Estão na pauta nacional, assuntos como a influência ou não do governo sobre outras instituições e poderes do Estado, o caráter recursal do STF no modelo jurídico brasileiro, a forma de provimento dos postos nos tribunais superiores, os limites para a exposição pública de pessoas indiciadas, as relações entre o mundo financeiro, o poder político e as campanhas eleitorais, a natureza dos compromissos daí decorrentes, e o modo como se constituem as maiorias parlamentares. Isto sim é assunto para a “cidadania” usar a cabeça.
A pesquisa de credibilidade encomendada pela Associação dos Magistrados do Brasil ao Ipespe mostrou que os piores lugares no ranking da credibilidade estão ocupados pelas instituições legislativas nos três níveis e que o último poleiro pertence aos partidos. O resultado não surpreende e se alinha com a percepção de que o funcionamento das nossas instituições não está bem orientado.
Como se resolve isso? Certamente não existe solução perfeita e permanente. Mas há um princípio que jamais pode ser afastado de qualquer abordagem do assunto: a correção das condutas não é nem pode ser apenas um atributo moral dos indivíduos investidos de poder, mormente em países como o Brasil, com longa história de promiscuidade nas relações entre o poder político e o patrimônio público. A regra básica desse jogo consiste em organizar as instituições de modo a tornar a conduta virtuosa mais conveniente do que a conduta viciosa. O Brasil (e praticamente todos os países sul-americanos) afrontam essa norma gerando instituições onde dificilmente a irresponsabilidade produz custo. Resultado? Ficamos na dependência de retificações que ocorrem espasmodicamente e de surtos de averiguação que agem sobre os efeitos enquanto as causas permanecem ativas e atuantes. Penso que as interrogações dos últimos dias podem abrir espaço para uma compreensão mais ampla dos nossos embaraços institucionais.
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