segunda-feira, 28 de julho de 2008

O RISCO DO ELEITOR

O RISCO DO ELEITOR

Farol da Democracia Representativa

Jacy de Souza Mendonça

Livre-Docente de Filosofia do Direito, foi professor da PUC/SP, Diretor de Recursos Humanos e Jurídicos da VW, Presidente da ANFAVEA, Vice-Presidente da FIESP e Presidente do Instituto Liberal de Sao Paulo.

Chamado a exercer o direito-dever de voto em eleições para Deputado Federal, é natural que o cidadão brasileiro queira escolher um candidato que sintonize com suas idéias e ideais, mas, de fato, não dispõe para isso de recursos adequados e confiáveis. Seu material de informação deveria ser o programa do Partido e a plataforma eleitoral dos candidatos, mas o que lhe é oferecido é a mentirosa propaganda feita nos meios de comunicação que promete tudo, inclusive o paraíso perdido, pois jamais será ou poderá ser cobrada; a lembrança de fatos do passado envolvendo positiva ou negativamente os personagens elegíveis; ou ainda a opinião de amigos e pessoas confiáveis sobre ele. Terá de valer-se, então, de um pouco de intuição e de muita disposição de arriscar. O que normalmente não passa pela cabeça do eleitor é que, embora vote em um nome, nunca estará escolhendo um candidato – o escolhido será sempre o Partido Político a que ele está vinculado. Isso é uma decorrência do sistema eleitoral: na apuração dos votos, são computados, em primeiro lugar, o total concedido aos Partidos, para determinar quantos representantes integrarão a bancada de cada um deles; em seguida, serão entre eles distribuídas as vagas do Parlamento, na proporção dos votos obtidos. Portanto, a votação dos candidatos servirá apenas para colocá-los em uma ordem de prioridade entre os eleitos pelo Partido, ordem que será utilizada para convocá-los. Advertido desta peculiaridade do sistema brasileiro, o cidadão mais esclarecido precisaria, então, fixar-se primeiramente no Partido e, só em segundo plano, preocupar-se com o nome do candidato. Mas isso é também difícil, porque todos os Partidos Políticos têm, mais ou menos, o mesmo programa; em suas campanhas e plataformas, todos prometem o paraíso com a mesma ênfase e a mesma irresponsabilidade, ou, no mínimo, acenam para um futuro imensamente melhor do que o passado e do que o presente.

Por mais refletido que seja o voto do cidadão, ele poderá ser sempre tremendamente enganado.

Vejamos, por exemplo, o que ocorreu na última eleição brasileira para Deputado Federal, em 2006: o PMDB elegeu 89 Deputados, o PT 83, o PSDB 66, o PFL 65, o PR 43, o PP 41, o PSB 27, o PDT 24, o PL 23, o PTB 22, o PPS 22, o PV 13, o PCdoB 13, O PSC 9, O PAN 1, o PSOL 3, o PMN 3, o PTC 3, o PHS 2, o PTdoB 1,e o PRB 1. No dia da posse, o quadro já estava alterado: PMDB empossou 90, o PT 83, o PSDB 64, o PFL 62, PR 43, o PP 41, o PSB 28, o PDT 23, o PTB 21, o PPS 17, o PV 13, o PCdoB 13, o PSC 7, o Pan 4, o PSOL 3, o PMN 3, o PTC 3, o PHS 2, o PTdoB 1 e o PRB 1. Hoje as bancadas estão mais alteradas: PMDB+PTC, 96, PT 79, PSDB 58, PFL 53, PP 40, PR 43, PSB+PDT+PCdoB+PMN+PRB 76, PTB 20, PV 14, PSC 12, PSOL 3, PHS 2 e PTdoB 1.

É facilmente perceptível que, tão logo eleitos, os Deputados trataram de aproximar-se do governo, onde as benesses potenciais são fartas, e de distanciar-se da situação desagradável e pouco rentável que a oposição oferece. O PT e o PMDB, inicialmente, para salvar as aparências, não aceitaram os oriundos de outros Partidos, mas o PT fez com que aqueles que o procuraram se filiassem a outros Partidos, integrantes da base de sustentação do governo.

Coligações partidárias foram também formadas, com o objetivo de contornar a exigência legal de um número mínimo de representantes (o que deveria ser apurado no momento da abertura das urnas, mas passou a ser considerado exigível para o exercício do mandato), mas o resultado para o eleitor foi ver seu escolhido vinculado a idéias e ideais com os quais possivelmente não concorda.

Assim, um número muito significativo de eleitores foi enganado pelos candidatos escolhidos, Atal ponto que, eleitores que queriam votar na oposição, votaram na situação... foram ludibriados por seus eleitos e ludibriados pela viciada interpretação do sistema eleitoral brasileiro.

Parece claro que, sendo a Câmara dos Deputados constituída originalmente com base na proporção de votos atribuídos a cada Partido Político, esta formação deveria ser mantida até o final da legislatura, para que a vontade do eleitor fosse respeitada. O Deputado que mudasse de Partido deveria perder seu lugar no Parlamento, a fim de que outro do mesmo Partido assumisse seu lugar, respeitando a intenção de voto do eleitor. Assim deveria ser entendido e aplicado o princípio da fidelidade partidária. Ela não pode ser focalizada a partir da transitória vontade dos dirigentes do Partido, mas deveria levar rigorosamente em conta a vontade do eleitor manifestada nas urnas. Fidelidade partidária é fidelidade ao eleitor, não ao Partido. O eleito, que ofereceu publicamente um estilo de procedimento, precisa cumpri-lo e esse cumprimento deve ser dele exigido. Essa foi a tese que, sob o estranho protesto de muitos, foi tardiamente reconhecida pela Justiça Eleitoral, ameaçando os transgressores com a perda do mandato, punição que tem sido timidamente aplicada pela Justiça Eleitoral, enquanto os eleitos se esforçam por encontrar meios de mitigá-la.

O trágico é constatar que essa migração partidária não tem a menor importância, a julgar pelo que os Deputados, sem distinção partidária, fazem, fizeram, ou não fizeram, no exercício do mandato que lhes foi conferido: não cumprem a missão essencial, que é legislar, interessando-se muito mais pelos holofotes da função policial das CPI’s; ausentam-se de Brasília a qualquer pretexto, proporcionando o ridículo espetáculo de um Congresso às moscas e de parlamentares discursando para cadeiras vazias; aprovam sistematicamente tudo o que o Poder Executivo quer; preocupam-se apenas em ganhar cada vez mais. E não era nada disso o que o eleitor deles esperava.

Moral da fábula: o risco do eleitor é ser forçado a votar contra suas idéias, contra seus ideais e contra seus interesses, sem ser informado; pode até votar, sem perceber, no Partido oposto ao que deseja.

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