quarta-feira, 30 de julho de 2008

Entre o Poder e a Riqueza II

Entre o Poder e a Riqueza II

Farol da Democracia Representativa

Armando Ribas
Consultor do FDR

“Um despotismo eletivo não foi pelo que lutamos”
Thomas Jefferson

O problema do mundo hoje, do mesmo modo que ontem, não é o que acontece senão o que se pensa. Há 160 anos de haver-se publicado o panfleto filosófico mais destrutivo do pensamento, “O Manifesto Comunista” tem mais vigência do que o que aprendemos ou deveríamos ter aprendido dos verdadeiros determinantes da realidade que nos circunda. A esta observação se adiantou Ortega y Gasset quando disse: “Não sabemos o que nos acontece e isso é o que nos acontece”. A diferença com relação à minha referência a respeito da nossa realidade é que acreditamos que sabemos o que nos acontece, e nessa percepção ronda a sombra de Marx, por mais que hoje, depois da queda do Muro de Berlim, sejam poucos os que se atrevem a citá-lo ou sequer mencioná-lo.

Creio ser procedente lembrar que foi Marx quem primeiro reconheceu o êxito na criação de riqueza do sistema que, para desqualificá-lo eticamente, denominou de “capitalismo”. Não vou insistir na veracidade desta observação corroborada estatisticamente por Simón Kusnetz. O problema foi a incapacidade de Marx de comprender a razão de ser deste processo ao qual desqualificou eticamente como a exploração do homem pelo homem.

Porém, a confusão existente à qual contribuíram decididamente os intelectuais, como assinala Schumpeter em seu “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, é continuar ignorando os verdadeiros determinantes da criação de riqueza. Isso não foi o resultado de um processo econômico per si, senão de uma mudança fundamental na concepção ética e no reconhecimento da natureza falível do ser humano, que o cristianismo reconheceu em “o justo peca sete vezes”. Foi a partir desta concepção ética e antropológica que se reconheceu a legitimidade dos interesses particulares como não contrários ao interesse geral ou, como diria Ayn Rand, da virtude do egoísmo. Em conseqüência, criou-se um sistema político consciente da natureza humana que permitiu a liberdade, em contraposição àqueles que pretendiam racionalmente modificá-la, e nos quais se fundaram os totalitarismos.

Neste sistema institucional se reconheceram juridicamente os direitos individuais: à vida, à liberdade, à propriedade e à busca da própria felicidade, e fundamentalmente o princípio de que tais direitos não podiam ser violados pelas maiorias. O mundo hoje, pelo contrário, parece mais do que obnubilado pela falácia de uma democracia que quase por definição reconhece o direito das maiorias a violar os direitos individuais, em nome das maiorias e do bem comum, invocando a distribuição da riqueza.

Nos encontramos então, ante uma alternativa de ferro. O pensamento ético-político que leva os políticos ao poder é precisamente o que determina a destruição da riqueza. Depois nos assombramos e recentemente o Papa se perguntou: como é que em um mundo onde há tanta riqueza tenha tanta gente na pobreza? Nessa pergunta isolada ele copia fielmente a desqualificação ética do único sistema que deu ao mundo a oportunidade de superar a pobreza que havia padecido universalmente até há menos de trezentos anos. Como bem assinala Thomas Sowell em sua brilhante obra “A Visão dos Ungidos”, a esquerda conseguiu fazer uma “limpeza ética: os que não estão com ela, não só estão equivocados como são pecadores”.

Os partidos comunistas se apropriaram de uma absurda predição de Marx como denominação, deixando incólume a virtude do socialismo. O projeto marxista não era outra coisa que a suposta superação da escassez através da ditadura do proletariado, encarregada de expropriar os expropriadores – leia-se capitalistas – e a supressão da propriedade privada. Uma vez encerrado este processo, se haveria alcançado a norma comunista: “a cada qual de acordo com suas habilidades, a cada qual de acordo com suas necessidades”.

É quase inconcebível que o comunismo como tal tenha podido ser levado a sério por alguma mente medianamente racional. Porém, foi Schumpeter quem na obra citada reconheceu que o marxismo é uma espécie de religião que promete o paraíso antes da tumba, e por isso seu êxito sociológico e não econômico. E deste êxito culpa majoritariamente aos intelectuais, por criar o antagonismo social a partir do ressentimento compartilhado.

Certamente hoje já não se fala do marxismo, porém o ressentimento continua criando as condições para o socialismo democrático tal como o predicaram e conceberam autores tais como Bernstein, depois de reconhecer o fracasso das predições marxistas da derrubada do capitalismo por suas contradições internas. Opondo-se então a Lenin, descartou a revolução bem como a ditadura do proletariado e reencontrou na democracia o advento do socialismo. E lamentavelmente teve razão, pois tal como reconheceu Nietzsche, democracia e socialismo são a mesma coisa. Partindo do conceito equivocado de que o socialismo era o herdeiro legítimo do liberalismo, escreveu: “Nenhum pensamento liberal pode não pertencer aos elementos do socialismo”. Nada mais contraditório com a realidade destas doutrinas que por definição são anti-éticas.

Desafortunadamente hoje, tal como dissera Von Mises em 1922, em “Socialismo”, o problema com o socialismo é que mesmo os que se lhe opõem aceitam seus princípios fundamentais (sic). A concepção democrática presente, como já disse em oportunidades anteriores, é a versão Iluminista da demagogia. E como dissera Aristóteles, os aduladores do povo têm um grande partido. Porém, quando as necessidades criam direitos, se pretende justificar a violação dos direitos dos que satisfazem as necessidades. Em conseqüência, nos encontramos ante uma alternativa de ferro: a prédica que leva ao poder é precisamente a que destrói a riqueza que permite a superação da pobreza. Assim, poderia dizer remendando o “Manifesto”: “Um espectro está rondando o mundo: é o espectro da social-democracia que cria o que Jefferson denominara um despotismo eletivo”.

Tradução: Graça Salgueiro

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