sábado, 19 de julho de 2008

Todos fomos Colômbia

Todos fomos Colômbia

Farol da Democracia Representativa

Luis Alberto Lacalle Herrera

Advogado, Jornalista, Ex-Presidente e Ex-Senador da República Oriental do Uruguai pelo Partido Nacional (Blanco)

Tal qual o raio, estalando, parte as trevas em duas e ilumina a paisagem em um momento incomparável, a operação militar das Forças Armadas da Colômbia lançou luz sobre a escuro panorama da tremenda guerra que esse país vive. Trata-se todavia de algo mais que um alarde de profissionalismo, de perseverança, de planejamento sério e de lucidez do comando político e militar; muito mais.

A América contemporânea, através da nefasta influência de Fidel Castro, de suas teorias, de suas escolas de subversão e sabotagem, de sua intervenção nos assuntos internos dos demais países da América, representou nos últimos cinqüenta anos a teoria e a praxis da destruição do sistema democrático. Um êxito, e talvez não o menor desta força negativa, foi conseguir que a respeito dela se estebelecessem critérios duplos e diferentes critérios de ética. O que em um extremo do espectro político se condenava – e com razão – nas ditaduras militares, no outro se justificava e justifica até o dia de hoje apesar dos atropelos aos direitos humanos, da negação do sistema democrático e da opressão dos direitos cidadãos. Tanto na Europa como na América esta maneira parcial e enviesada de ver as coisas possibilitou que se construíssem teorias e se organizassem grupos políticos para os quais não havia um sistema de medida semelhante para as violações ao direito, às constituições, e às garantias mínimas dos cidadãos. Conhecemos esta hemiplegia política porque esteve presente entre nós por longo tempo. Assim foi que não só se aplaudiu a ação das guerrilhas senão que, como tristemente o sabemos, procurou-se implantá-las e transplantar à nossa vida práticas similares. Tudo isso sob um manto de compreensão e justificativas que, embora não resista à mais leve análise, converteu-se em uma espécie de evangelho das teorias que levadas à prática, semearam a morte e o terror na Espanha, na Alemanha e em toda a América Central e do Sul.

Sabemos que em sua origem mais distante a ação das FARC teve uma base de diferenças políticas internas dentro de um país que, como a Colômbia, chegou a chamar a um período de sua história “a violência”. Porém, o desvio de rumo destas sinistras forças para o campo claramente delitivo já durou demasiados anos para que o tênue disfarce com o que se pretendeu dissimular sua essência resulte penosamente escasso para ocultar a crua realidade de uma organização baseada no seqüestro e no comércio de droga.

É assim que a nação do norte do nosso sub-continente vem suportando não somente atentados contra seus governantes, seus militares e a própria e sofrida população, senão que representa a instalação do medo em todos os âmbitos da vida cotidiana e ainda a ocupação mediante a força de importantes porções daquele território. Ante essa crua realidade houve os que chegaram a assinalar que estas forças armadas revolucionárias da Colômbia em seu âmbito de violência e de destruição estavam formando o “homem novo”. Típica afirmação de cunho marxista que pretende a tábula rasa, a destruição de todo o anterior, na crença jacobina de que somente mediante o arrasamento de uma civilização e de uma cultura se pode iniciar um novo tempo.

Foram muitos os governos colombianos que tiveram que enfrentar essa força multiplicada em seus efeitos nefastos, pelo fato de atuar fora de toda norma e de todo parâmetro ético. O sofrido povo colombiano não só pagou com medo e morte senão que viu enormes recursos que tanto melhor teriam estado no desenvolvimento social, ser aplicados no gasto militar da guerra não convencional. Ação bélica para a qual não existem manuais e que fornece a tremenda sensação de que as cidades e o campo viviam sob o império da ilegalidade sempre escondida para golpear, para roubar, para seqüestrar, para matar.

O episódio da quarta-feira passada (02.07), quando passar o tempo suficiente, será visto corretamente como um marco nesta longa e dolorosa etapa de enfrentamento. Com um profissionalismo do mais alto nível e com a fortaleza de caráter de um Presidente que tem demonstrado que é capaz de assumir o drama da chefatura do Estado em circunstâncias extremas, se leva a cabo a operação que comentamos. Vai mais além desse êxito bélico indubitável e que representou uma luz em meio às trevas. É um ponto de inflexão no combate concreto que se oferece naquelas terras, porém também a reafirmação de que as convicções acompanhadas da perseverança e da vontade podem transformar a realidade e trocar um ambiente de resignação e de permanente concessão, na reassunção do poder democrático em toda sua plenitude.

É, sem sombra de dúvidas, uma mostra de que dentro da lei e com o pulso sereno e a mão firme, não há crise que não seja reversível, não há circunstância de desesperança que não possa se transformar em força de sinal diferente.

Por um instante, porém seguramente que com conseqüências importantes de futuro, produziu-se este fato que deixou uma mensagem positiva em todo o mundo e resultou em um acontecimento fortalecedor dos valores às vezes diminuídos, do que é a força do sistema democrático quando por trás da lei e da razão há perfis de coragem.

Na quarta-feira passada, todos fomos Colômbia.


Tradução: Graça Salgueiro

Nenhum comentário: