segunda-feira, 28 de julho de 2008

A lei do barão

por Percival Puggina em 28 de julho de 2008

Resumo: A escolha indireta, pela maioria parlamentar, do chefe de governo é um sistema muito superior ao da eleição direta, que, cada vez mais, favorece o acesso dos mentirosos e demagogos ao poder.

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Por alguma estranha razão estabeleceu-se entre nós a idéia de que a separação dos poderes é uma espécie de primeiro mandamento da lei de Deus, determinação a partir da qual tudo deriva e sem a qual nenhum modelo de instituição pode ser concebido.

O pai da idéia foi o senhor Charles-Louis de Secondat, senhor de La Brède, para os ilustrados, ou, mais resumidamente, para nós, o Barão de Montesquieu. Isso a gente sabe, porque sua obra é bem conhecida. Surpreendente não é a idéia, nascida no berço iluminista francês em tempos de absolutismo monárquico, mas o fato de que tantas nações ainda hoje a adotem na América, ao passo que, na Europa onde foi concebida ela não encontra seguidores.

Tenho certeza de estar causando surpresa entre muitos leitores destas linhas. “O quê? Esse sujeito é contra a separação dos poderes?” Calma, meu caro. Pondere comigo antes de me abandonar na reflexão que estou propondo. Primeiro o que afirmo é verdadeiro: nenhuma das mais de duas dezenas de nações da União Européia organiza suas instituições em consonância com a tese do Barão, ao passo que, na América, temos uma formidável concentração de chefes de Estado que são, ao mesmo tempo, chefes de governo eleitos diretamente.

Quem olhe para a história dos povos da América Ibérica a partir do século 19, perceberá a instabilidade política que caracteriza o continente, a sucessão de deposições, golpes, revoluções, contra-golpes e contra-revoluções, suicídios e crises políticas que se arrastam ao longo de quase duzentos anos. Mesmo assim, estamos convencidos de haver encontrado, nas lições do Barão de Montesquieu, uma perfeição que seus vizinhos mais chegados não vislumbraram.

O Brasil, no período do Segundo Império, sob a égide de um sistema que atribuía a chefia do governo à maioria parlamentar, viveu o mais extenso período de estabilidade política da história continental. Por outro lado, a partir do momento em que abandonou esse modelo, nosso país passou a compartilhar dos males que eram vividos por todos os vizinhos de língua espanhola.

Atribuir a chefia do governo ao partido ou bloco partidário que constituir maioria parlamentar é uma ação política que responsabiliza essa maioria perante o governo e a minoria perante a oposição. Nesse sistema, os parlamentares da base operam comprometidos com o governo, de cujo sucesso depende a manutenção de suas cadeiras e os da oposição ficam, de fato, comprometidos com o contraditório. Ademais, ele permite a substituição do mau governante de modo rápido e não-traumático, a preservação do bom governante pelo tempo que for conveniente, a dissolução do parlamento, e fecha a porta do governo para os que se valem da ingenuidade das massas. A escolha indireta, pela maioria parlamentar, do chefe de governo é um sistema muito superior ao da eleição direta, que, cada vez mais, favorece o acesso dos mentirosos e demagogos ao poder. As mais bem sucedidas democracias jamais deram bola para a lei do barão.

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