A GRANDE MENTIRA
Farol da Democracia Representativa
Por Valter Martins de Toledo, Magistrado aposentado e Membro da Academia de Cultura de Curitiba (v.toledo@terra.com.br)
Introdução
Diz um provérbio citado por Alexandre Solzhenitsyn no início do livro Arquipélago Gulag “Não se deve remexer no passado! Aquele que recorda o passado perde um olho”. Mas o provérbio tem um complemento: “Aquele que o esquece perde os dois”. Vamos remexer. Enquanto tivermos um olho seremos capazes de obter a conformidade entre o sujeito (inteligência) e o objeto (fatos ou situações). Só assim chegaremos à verdade, que consiste na perfeita conformidade da inteligência com o objeto.
Por outro lado, Jean Brunhes ensina que, por um estranho abuso de palavras, fala-se na veracidade de um fato. Um fato possui dimensões, cor, duração, mas não a verdade. Verdade (ou não) será a percepção que temos do fato, assim como mais ou menos justo pode ser o juízo que sobre ele formamos.
Estes ensinamentos podem servir como introdução às considerações que são tecidas a seguir, sobre os fatos em torno da ditadura militar que durou 21 anos.
O tema volta ao palco dos debates, e traz um fato recente: a destruição de arquivos do regime militar, descobertos na Base Aérea de Salvador.
As forças armadas brasileiras sempre combateram o totalitarismo, fosse de esquerda ou de direita. Participaram da II Guerra Mundial, onde tiveram papel de destaque, principalmente na tomada de Monte Castelo. Combateram o comunismo e o venceram em todas as ocasiões em que este tentou tomar o poder.
Porém, tais fatos são deturpados pela história, na medida em que esta é construída de forma unilateral pelos derrotados, com suas versões distorcidas dos fatos.
No Brasil, a ditadura militar foi o coroamento do enfrentamento, em três ocasiões, da tentativa de tomada do poder pelos comunistas. Todas foram impedidas pelas Forças Armadas, que livraram a população brasileira dos horrores do totalitarismo comunista, um dos mais bárbaros registrados pela História.
A primeira tentativa (Intentona Comunista – 1935)
Em março de 1919 foi realizado em Moscou o Congresso de Fundação da III Internacional, que ficaria conhecida como Internacional Comunista, ou IC. A finalidade era unificar e orientar o processo revolucionário mundial. Incentivava a criação de partidos comunistas em todos os países, partidos esses que ficariam subordinados ao PC russo. Lenin acreditava que a revolução russa era o primeiro passo para a adoção do internacionalismo proletário.
Em março de 1922 foi fundado o Partido Comunista – seção Brasileira da Internacional Comunista (PC-SBIC), registrado legalmente como entidade civil. Três meses depois, foi colocado na ilegalidade em decorrência do estado de sítio resultante da revolta tenentista.
Na década de 30 o Brasil vivia uma intensa agitação política. Julio Prestes, governador de São Paulo, era apoiado para a presidência da república. Getúlio Vargas, governador do Rio Grande do Sul, e Antonio Carlos de Andrade, de Minas Gerais, também aspiravam à sucessão presidencial. Os entendimentos políticos levaram à união em torno do nome de Vargas, e surgiu a Aliança Liberal.
Nessa época, Luiz Carlos Prestes, um respeitado líder tenentista, estava exilado na Argentina. Prestes não apoiou Getulio Vargas, porque não acreditava nas possibilidades da revolução apregoada pelos aliancistas, especialmente por Antonio Carlos, que afirmara: “Façamos a revolução, antes que o povo a faça”.
Em abril de 1935 Luiz Carlos Prestes voltou para o Brasil, acompanhado de Olga Benário, comunista alemã que tinha a missão de ser sua sombra, controlá-lo e protegê-lo.
Em 1934 o PC-SBIC mudara o nome para Partido Comunista do Brasil (Seção da IC), que passou a pregar a luta antifascista, organizada como uma “frente popular contra os integralistas”. Em 1935 foi fundada a Aliança Nacional Libertadora, que chegou a ter mais de cem mil militantes. Porém, o caráter marxista-leninista da Aliança logo a jogou na ilegalidade, decretada pelo governo Vargas. A Aliança passou a atuar na absoluta clandestinidade. Nesse mesmo ano aconteceu a Intentona Comunista, com combates confusos e mal liderados, em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Houve, por parte dos insurretos, tiroteios desordenados, assassinatos covardes e saques a estabelecimentos comerciais e bancários.
A Intentona previa a insurreição nas capitais, porém, ficou restrita a essas três cidades, fracassando no mesmo dia.
Prestes estava em segurança no seu QG, porém, a derrota e a prisão de líderes comunistas desestruturaram o partido, ao qual foram imputados vários assassinatos, inclusive de correligionários acusados de traição.
O Brasil vencera a primeira tentativa de instauração do comunismo.
A segunda tentativa - Revolução de 1964
Em 1941 as tropas nazistas invadiram a Rússia, mudando radicalmente o mapa político do mundo. Stalin se apressou em ganhar o apoio das democracias ocidentais contra o nazismo. O PCB apoiou incondicionalmente o governo Vargas nessa luta. Ao final da II Guerra, o governo Vargas decretou a anistia e legalizou todos os partidos políticos. Prestes foi anistiado. Em 1946 teve início a chamada Guerra Fria. A Rússia dominara mais de uma dezena de países do Leste Europeu e continuava apoiando os movimentos revolucionários em todo o mundo. O Brasil rompeu relações diplomáticas com a Rússia e cassou o registro do PCB, que caiu mais uma vez na ilegalidade. Porém, sua estrutura não foi tocada.
Em 1950, o PCB lançou o Manifesto de Agosto, que defendia a revolução como a única solução viável e progressista dos problemas brasileiros, defendendo a luta armada. Porém, apesar desse manifesto, a classe operária votou mais uma vez em Getúlio Vargas, que suicidou em 1954.
Nessa época, em muitas universidades ocidentais predominava uma visão social esquerdista, sendo que grande parte do Terceiro Mundo aclamava o modelo soviético como a estrada para a justiça social. Muitos intelectuais se declaravam marxistas. Essa situação, porém, era apenas uma conseqüência de anos de propaganda calcada na Grande Mentira. Assim, a conjuntura era altamente favorável ao comunismo, o que provocou uma expansão dramática do comunismo. No final da década de 1950, o comunismo já aportara na América com a vitória da revolução cubana.
Entretanto, o mundo estava dividido pelo jogo de poder entre as duas superpotências, Estados Unidos e União Soviética, a chamada Guerra Fria. Nesse jogo, o Brasil despertou o interesse das grandes potências. Sendo um país de dimensões imensas, fronteiriço com quase todos os países da América Latina, seria também um elemento estratégico no cenário mundial, fazendo pender o fiel da balança estratégica para o lado desejado.
Em agosto de 1961, o Presidente Jânio Quadros renunciou. Deveria assumir João Goulart, contra o que se insurgiram os ministros militares, por considerarem que Jango apoiava o comunismo internacional. Assumiu Ranieri Mazzilli, então presidente da Câmara dos Deputados. Leonel Brizola lançou um movimento legalista – a “campanha da legalidade” - pela posse de Jango, seu cunhado. O impasse terminou no Congresso, que aprovou a Emenda Parlamentarista, dando posse a João Goulart.
Segundo Gorender, “finalmente ocupava a presidência da República um político ao qual o PCB tinha acesso direto e que poderia considerar aliado”.
Outras organizações de esquerda começaram a surgir, divergindo da linha política do PCB, tais como os trotskistas (que chegaram a criar várias organizações filiadas à Quarta Internacional, algumas ligadas a J.J. Posadas, porém sem maior expressão), a POLOP (Organização Revolucionária Marxista Política Operária), que defendia a implantação imediata do socialismo, ao contrário do PCB, que havia optado pelo chamado “etapismo”, com uma primeira etapa democrático-burguesa para cooptar a burguesia nacionalista, e somente depois seria desencadeada a revolução socialista, a AP (Ação Popular, uma criação da esquerda católica mas com grande influência maoísta), a Frente de Libertação Nacional (lançada por Leonel Brizola e Mauro Borges (então Governador de Goiás), um mês após a posse de Goulart, enfatizava a ação exploradora do capital estrangeiro e a necessidade de nacionalização de empresas e da reforma agrária) e o Master (Movimento dos Agricultores sem Terra).
Enquanto isso, Goulart governava o país de uma forma pendular, ora pendia para o lado dos comunistas, ora para o lado dos conservadores. O país vivia agitações e greves nos grandes centros industriais. O sistema presidencialista foi restaurado no início de 1963. Porém as greves continuaram, sendo difícil calcular os prejuízos de toda ordem que ocasionaram ao país. Jango continuou governando de forma pendular. Em setembro de 1963, tudo indicava que o país caminhava para uma revolução de esquerda, principalmente com a rebelião dos sargentos de Brasília. Estes, liderados pelo sargento da Força Aérea Antonio Prestes de Paula, apossaram-se do Ministério da Marinha, da Base Aérea, da Área Alfa, do Aeroporto civil, da Estação rodoviária e da Rádio Nacional. Prenderam um ministro e o presidente da Câmara Federal. Porém, o movimento foi debelado e os seus líderes foram presos. Houve apenas um confronto do qual resultaram um marinheiro morto e dois feridos. Porém, um clima “pré-golpe de estado” foi se definindo, objetivando derrubar as instituições democráticas, supostamente lideradas pelo próprio João Goulart, que buscou o apoio das forças sindicais, agarrando-se às reformas de base como tábua de salvação, o que subverteria de vez todo o país.
No início de março de 1964, a conturbada situação nacional exigia medidas drásticas para solução da crise. Jango e o PCB mantinham entendimentos constantes. No dia 13, um comício realizado no Rio de Janeiro, ficou conhecido como o Comício das Reformas, realizado com recursos das empresas estatais e dos sindicatos. Mais de cem mil pessoas participaram, pedindo reformas, legalização do PCB e entrega de armas ao povo para a luta. No palanque, Jango, Arraes e Brizola. Parecia que Jango levava a melhor. Porém, na mesma noite, o Rio de Janeiro se iluminou de velas nas janelas, em demonstração do descontentamento de grande parte da população com os rumos que tomava a situação nacional, principalmente devido à impressionante demonstração de força, o tom radical dos discursos de Arraes e Brizola e a profusão de cartazes com a foice e o martelo.
No dia 19 aconteceu a primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu oitocentas mil pessoas, em oposição ao comício do dia 13.
Em 20 de março, AMFNB (Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil) reuniu-se, declarando um motim. Seus dirigentes foram todos presos por ordem do Ministro da Marinha. No dia 26, os marinheiros amotinados fizeram exigências para o fim do movimento, entre as quais o seu reconhecimento legal. O ministro da marinha destacou um grupo de fuzileiros navais para prender os amotinados.
O CGT expediu um aviso de estado de alerta, denunciando o golpe da elite da marinha contra o povo, contra as reformas e contra o Presidente da República. Brizola apoiou o movimento dos marinheiros e fuzileiros navais.
Na manhã do dia 27, a Marinha soube que havia outros movimentos rebeldes em alguns navios da esquadra. No dia 29, centenas de oficiais da Marinha reuniram-se, em flagrante protesto contra a quebra da disciplina e da hierarquia. Ninguém mais aceitava os desmandos do presidente que, à surdina, preparava um golpe esquerdista, com início previsto para primeiro de maio. De contatos entre o General Castello Branco, Chefe do Estado Maior do Exército, com outros oficiais generais, formou-se um grupo que passaria a ter importante papel no preparo da contra-revolução. As Forças Armadas estavam divididas, tanto que, no comício do dia 13, Jango foi prestigiado pela presença dos três ministros militares.
No dia 30 de março, finalmente desencadeou-se a contra-revolução, que inicialmente estava marcada para o dia 2 de abril. Tropas sediadas em Minas Gerais se dirigiram ao Rio de Janeiro, e se encontraram com as tropas do I Exército, que pretendiam barrar as forças atacantes. O confronto foi esgotado em diálogos de persuasão e em gestos de confraternização. No eixo Rio – São Paulo, confrontos semelhantes ocorreram. Na tarde de 1º de abril, tudo estava terminado. Ruíra o dispositivo militar do presidente. Ninguém se moveu nem esboçou resistência em defesa de Goulart. No dia 2 de abril, mais de um milhão de pessoas lotaram as ruas e praças do Rio de Janeiro, para comemorar a vitória da democracia sobre o comunismo. Foi a segunda vitória sobre a tentativa de tomada de poder pelos comunistas.
(*) Publicado pela Biblioteca do Exército Editora, RJ, 2001, recomendado pelo FDR no Tema “Movimento Cívico-Patriótico de 1964”.
SEGUE A PARTE FINAL
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