Terça-feira, Maio 27, 2008
O estatuto jurídico do embrião humano
Edição de Artigos de Terça-feira do Alerta Total http://www. alertatotal.blogspot.com
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Por Renata Braga Klevenhusen
Vivemos o momento histórico em que o Supremo Tribunal Federal (STF) é chamado a se pronunciar sobre o conteúdo do direito à vida, expresso no caput do artigo 5º da Constituição Federal, em razão da tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n° 3.510) que impugna a constitucionalidade do artigo 5° e parágrafos da Lei n° 11.105/2005, por violação do art. 1°, III da Carta Magna.
O mais perigoso nesse jogo de verdades, vaidades e promessas de cura é a manipulação da informação, ou pior, a informação parcial. Temos sido levados a acreditar que um embrião de cinco dias não é um ser humano, que a pesquisa com células-tronco é realizada com embriões que obrigatoriamente seriam descartados. E, pior, que há uma grande probabilidade de cura com as terapias com células-tronco embrionárias.
Não há autorização no ordenamento jurídico brasileiro, nem na Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, para o descarte. Portanto, não se trata de um material que seria descartado, mas de embriões que foram gerados para fins de implementação de um projeto parental. Só se justificaria a possibilidade de embriões excedentes, e mesmo assim é discutível, caso tais embriões fossem destinados a um projeto parental e não como estoque para pesquisas e terapias experimentais com células-tronco embrionárias.
A dificuldade que possuímos em enxergar a humanidade do embrião extracorpóreo se deve ao fato de que, por estar nos estágios iniciais do seu desenvolvimento, o embrião não apresenta, do ponto de vista morfológico, semelhança com o ser humano já formado. Não negamos a natureza humana do embrião de seis meses, mas temos dificuldade em ver a mesma humanidade em um embrião de cinco dias, pois, por uma representação morfológica, temos dificuldade em considerá-lo um semelhante.
Não se pode admitir a existência de salto qualitativo entre o embrião pré-implantação e o embrião implantado, tendo em vista que as etapas de desenvolvimento sofridas inicialmente pelo embrião fora do útero materno são as mesmas que as do embrião dentro do útero. Assim, se há proteção do embrião implantado, por que tratar, de forma diferenciada, o mesmo embrião, apenas por estar em situação extracorpórea?
O grande questionamento versa sobre a tutela conferida ao embrião em situação extracorpórea pelo ordenamento jurídico brasileiro. A esse respeito, verificamos que houve a adoção do marco concepção como momento inicial para a proteção do embrião humano. O artigo 2º do Código Civil de 2002 dispõe: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". O Código Penal tipifica o crime de aborto nos seus artigos 124, 125, 126, 127, punindo a interrupção da gestação e a conseqüente morte do concepto, exceto nos casos previstos no artigo 128.
O bem jurídico protegido é a vida humana embrionária, desde o momento da concepção. Ou seja, a partir da concepção, e não do quinto dia ou da nidação, há a proteção do concepto. Ora, ao entendermos que o legislador protege a vida humana embrionária a partir da concepção, é perfeitamente admissível sustentar que tal proteção se dá não em razão do locus, in utero ou ex utero. Tanto é que o legislador trata no art. 1.597 do Código Civil de 2002 da categoria embriões excedentes, no sistema de presunção de paternidade. Não era uma realidade estranha ao legislador e, se ele não distinguiu, o caminho é a equiparação.
Pensamos que a Lei de Biossegurança criou situação paradoxal do ponto de vista ontológico, pois, ao mesmo tempo em que autoriza a utilização de embriões inviáveis ou armazenados há três anos, proíbe a utilização de embriões que não estejam enquadrados nesses requisitos. O inciso II do artigo 5º da Lei n° 11.105/2005 nos leva a crer que, após três anos de criopreservação, o embrião humano é inviável, ou seja, há a presunção de sua inviabilidade. Não há, na literatura médica, nenhuma indicação de que, a partir de certo prazo, o embrião criopreservado passe a ser inviável. Ou seja, o legislador elegeu um prazo sem qualquer embasamento científico.
A partir do momento em que o ser humano passou a ser objeto da técnica, possibilitando a concepção fora do ventre materno, esse poder desafia nosso pensamento ético e passamos a ser obrigados a fazer escolhas para o que se considerava serem as características definitivas da constituição humana. O poder sobre o início da vida humana nos confrontou com perspectivas que exigem a mais alta sabedoria."
Renata Braga Klevenhusen é Advogada, mestre em direito pela Uerj, doutora em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e pós-doutoranda pelo Instituto de Medicina Social da Uerj. Artigo publicado no blog da UNR.
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