sexta-feira, 11 de julho de 2008

O RISCO DO PROPRIETÁRIO

O RISCO DO PROPRIETÁRIO

Farol da Democracia Representativa

Jacy de Souza Mendonça

Livre-Docente de Filosofia do Direito, foi professor da PUC/SP, Diretor de Recursos Humanos e Jurídicos da VW, Presidente da ANFAVEA, Vice-Presidente da FIESP e Presidente do Instituto Liberal de Sao Paulo.


(Observação: este artigo foi escrito em 25/11/2003. Comparar com os tempos atuais)

Visto por seu lado objetivo, ou seja, como lei, o Direito é determinação ao comportamento de uma pessoa em relação às demais, visando a preservar as exigências dos fins comuns da sociedade em que elas convivem; este conceito não se altera se, em lugar de relação entre duas pessoas, tivermos uma pluralidade de sujeitos em um ou nos dois pólos da relação. Visto pelo lado subjetivo, direito é a possibilidade de ação de um sujeito em relação a outro, protegida pelas mesmas exigências do bem ou fim comum; e aqui vale a mesma observação relativa à possível pluralidade de sujeitos, em ambos os pólos. Ou seja, o Direito existe sempre em função da sociedade. Afirmar, portanto, como faz nossa Constituição Federal, que a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII) não passa de truísmo, de pleonasmo legislativo, pois, mesmo que nada tivesse sido escrito a esse respeito, essa seria a única forma de conceber o direito de propriedade. Se alguém detém um bem com exclusividade (u seja, excluindo os demais) e o faz de forma contrária às finalidades da sociedade em que convive, em prejuízo dos demais, poderá ser, de fato, detentor do bem, mas não titular de um direito de propriedade.

Questão crucial, no entanto, é a forma como este princípio se traduz em dispositivos concretos.

Segundo o novo Código Civil Brasileiro, o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais (art. 1228, § 1º). Há, porém, neste texto, um acréscimo (a referência a finalidades econômicas) que merece especial atenção, pois, se ele fazia sentido no Código Civil das falidas Republicas Socialistas Soviéticas, onde surgiu e imperava, porque lá a economia era estatal e, portanto, os interesses econômicos da sociedade pautavam a conduta dos cidadãos, não se justifica num sistema jurídico que defende a livre economia, o livre mercado, a livre concorrência. Como o interesse econômico é essencialmente individual, não pode pautar o relacionamento dos cidadãos.

Projetando essa pretensa função social para as hipóteses de perda do direito de propriedade, o novo Código Civil, depois de arrolar, no § 3º do mesmo artigo 1228, duas hipóteses fundamentais de perda (desapropriação ou requisição em caso de perigo público), afirma que o proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante (§ 4º). Aqui a necessidade de reflexão cresce em proporções agigantadas.

Trata-se de uma figura jurídica não definida, mas distinta da desapropriação e da requisição, tratadas no § 3º. Parece que tem mais a ver com a desapropriação, pois, no § 5º, se diz que o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário. Além do perigoso arbítrio concedido aos magistrados, o dispositivo diz que há uma indenização devida, mas não indica quem seja responsável por seu pagamento. Como ninguém desapropriou, ninguém aceitará o encargo e certamente os ocupantes não terão recursos financeiros para fazê-lo... É confisco, mesmo!

E como será possível imaginar a boa-fé do grupo que ocupa a extensa área de terceiro? Será ela presumida pelos magistrados?

Além disso, as imprecisões do texto, certamente intencionadas, tornam a situação ainda mais preocupante. Que significará extensa área de terra, e por que a referencia a considerável número de pessoas ? Mais ainda: por que retorna o relevante interesse econômico? Interesse econômico de quem? Da União, dos Estados ou municípios não será, porque não são desapropriantes; do proprietário, menos ainda... Interesse econômico, portanto, de quem?

A triste conclusão é que o texto parece predestinado a dar suporte jurídico às ocupações de terras realizadas pelo MST e, se está suposição tem fundamento, como parece ter, estamos caminhando para a institucionalização da desordem, para a destruição do direito de propriedade, para a desgraça de uma nação. Tudo em nome da função social da propriedade.

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