por Redação MSM em 14 de maio de 2008
Resumo: Perguntas e respostas sobre o livro “A Manha do Barão”.
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A Girafa Editora está lançando “A Manha do Barão”, peça de Ipojuca Pontes sobre as peripécias e a ressurreição de Aparício Torelly, o consagrado Barão de Itararé, reconhecido por várias gerações de brasileiros como o nosso maior e melhor humorista.
“A Manha do Barão” - que tem prefácio do jornalista José Neumanne Pinto e capa da Entrelinha Designe, elaborada a partir de fotografia de Benedito J. Duarte – reconstitui teatralmente a rica trajetória do jornalista gaúcho que, com a circulação do jornal “A Manha” (“órgão de ataque de risos”) e a criação do seu personagem-tipo, o Barão de Itararé, acicatou durante meio século personalidades de ocasião, autoridades e instituições oficiais – todos tipos representativos que, segundo o autor, podem ser hoje facilmente identificados no emaranhado do cotidiano nacional.
Na “Manha do Barão”, nada fica alheio ao humor corrosivo do fascinante personagem. Desde o ambiente sinuoso da nossa vida literária, passando pelo jogo pesado da ditadura “iluminada” de Getúlio Vargas e as pretensões messiânicas de certo tipo de jornalismo de conivência – tudo é vivenciado e glosado pela mordacidade do humorista que foi considerado como um dos responsáveis pela desmoralização do Estado Novo, segundo o próprio Itararé. “O Estado a que chegamos”.
Construção teatral que recoloca em cena a questão da transcendência do espírito sobre a matéria, “A Manha do Barão” é, como acentua o seu prefaciador, um texto teatral leve, fluido e gracioso, criado por quem conhece de perto a obra do Barão, tornando-se, por isso, uma leitura prazerosa e que faz pensar.
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PERGUNTA – Ipojuca, você há muito tempo convive com o humor de Apporelly, aliás, o Barão de Itararé, criador do legendário tablóide “A Manha”, o “órgão de ataque de risos”. E agora está lançando, pela Editora A Girafa, a “Manha do Barão”. É do humorista ou do jornal que trata o seu novo livro?
IPOJUCA - Dos dois - do Barão e do seu jornal humorístico, “A Manha”, que, entre 1926 e 1962 (incluindo-se aí os seus “almanhaques”, os almanaques da “Manha”) fizeram parte do melhor cardápio da vida brasileira inteligente. É difícil encontrar um leitor civilizado daqueles tempos que não tenha devorado, compulsivamente, o pão satírico do semanário que ele denominava, com propriedade, de “órgão de ataque de risos”. Em que pese ser um jornal sem nenhum respeito, sua influência na vida pensante brasileira foi avassaladora. Por isso se diz que tudo que se faz hoje de humor escrito no Brasil tem origem n’A Manha do Barão.
Por outro lado, tanto Apporellly quanto o seu personagem-tipo, o Barão de Itararé, que acabou por devorar o seu criador, foram personalidades fascinantes. Apporelly era um espírito renascentista, fez de tudo. Ele invadiu espetacularmente o vasto território da ignorância humana: além de humorista, foi empresário, escritor, poeta, jogador, caricaturista, político, tentou inventar – como cientista - uma vacina contra a febre aftosa e, no campo da numerologia, tornou-se célebre pelos seus “horóscopos biônicos”. E na matemática, pelos “quadrados mágicos”. Mas entrou mesmo na história pela sua divina e corrosiva graça, sendo consagrado por todos como “o maior humorista brasileiro de todos os tempos” – o nosso Bernard Shaw.
PERGUNTA – Mas o Barão de Itararé, ou pelo menos a forma literária com a qual gostava de se expressar, o aforismo, não lhe parece uma coisa batida, menor? O escritor Elias Canetti, prêmio Nobel de Literatura, dizia que ao ler um aforismo tinha a impressão de que todos os aforistas se conheciam uns aos outros...
IPOJUCA – Não concordo com isso de maneira alguma. O aforismo, ou qualquer tipo de sentença, é uma forma de se eternizar a verdade de um pensamento ou fenômeno que, de outro modo, poderia nos levar à leitura de dezenas de livros sem que a verdade substancial seja sequer porejada.
Além do mais, o Barão, espírito inquieto, cultivou inúmeros “gêneros literários”, dentre os quais se avolumam comédias ligeiras, contos moralistas, paródias, sonetos picantes, crônicas engraçadas, anedotas parlamentares – tudo, diga-se de passagem, dentro de um estilo cristalino, que denota o escritor consciente do ofício.
PERGUNTA – Mas há atualidade no humor do Barão de Itararé? Afinal ele começou a escrever em 1925, em “O Globo”, num país muito diferente do atual, não é assim?
IPOJUCA – Em essência, o Brasil não era tão diferente assim. Como disse ou repetiu certa vez Gilberto Amado, o nosso delegado na ONU, no Brasil mudam as pessoas, mas os temas são sempre os mesmos. Tudo que o Barão de Itararé fustigou com seu humor, os vícios políticos, as instituições oficiais corruptas, o jornalismo conivente, as tentativas do poder em cooptar ou intimidar os oponentes, a malandragem da vida acadêmica - tudo continua igual. Só mudou de nome e de escala, que agora, no governo social-populista de Lula é incalculável.
Ademais, há qualidade literária no trabalho do Barão, que escrevia com apuro e elegância. No ofício de escrever, Itararé fez da palavra um meio hipnótico de envolver o leitor e levá-lo, pelo riso, a pensar seriamente. Uma coisa dificílima, já se vê, até para os escritores mais tarimbados. O falecido Joel Silveira, jornalista que trabalhou com o Barão, comentava que ele fazia o impossível para encontrar o modo justo de dizer. E só então expressava os seus aforismos da forma mais contundente possível.
PERGUNTA – Quando você tomou conhecimento do humor do Barão de Itararé pensou escrever um texto teatral?
IPOJUCA – De certo modo, sim. Eu tinha dirigido uma peça. “Os Emigrados”, do polonês Mrozek, sobre o encontro de um intelectual comunista com um operário “alienado” num gueto de Paris, e estava atrás de um texto para encenar.
Mas tudo foi mero acaso. Há muito tempo, passando por um sebo de São Paulo, vi e adquiri a coleção completa da “Manha”. Depois de ler uns duzentos exemplares do semanário, compreendi que o Barão tinha levantado por quase meio século a história às avessas do Brasil. Para conhecer melhor a figura humana do humorista, entrevistei alguns amigos e companheiros, entre os quais Otávio Malta, Joel Silveira, Rubem Braga, Raimundo Magalhães, Mário da Silva Brito e, em seguida, conversei com alguns dos seus filhos e um seu irmão, Edécio, o que me foi muito valioso.
PERGUNTA – No seu entendimento, qual é a essência do humor do Barão?
IPOJUCA: O apelo subversivo. O Barão revirou tudo de cabeça para baixo, ele era um especialista em espicaçar totem & tabus. As chamadas “autoridades constituídas”, o establishment político e social, as verdades consagradas no plano econômico, artístico, moral, científico, etc. – nada ficou fora do alcance do seu instinto iconoclasta. Getúlio Vargas, ditador populista, com medo do ridículo, mandou prendê-lo várias vezes, embora se dissesse um apreciador dos seus aforismos.
Minha impressão pessoal é de que hoje, se vivo fosse, o Barão se empenharia em derrubar todas as superstições ideológicas, as idéias fixas consagradas, com maior destaque para a degradação política que tomou conta do país e do governo: assuntos como os dos “mensaleiros”, bolsa-família, regime de cotas, o peleguismo lulosindicalista, o uso dos cartões corporativos, os dossiês, a mentira utópica como instrumento de poder, nada escaparia ao seu espírito demolidor. A própria idéia socialista, hoje corrupta e corruptora até exaustão, seria objeto do seu humor e da sua natureza subversiva.
PERGUNTA: Mas o Barão não era de esquerda?
IPOJUCA: Sim, era. Ele chegou a ser vereador pelo Partido Comunista, em 1947, antes da morte de Stalin. Mas deduzo que ele era, se tanto, um “companheiro de viagem”, para não dizer um “inocente útil”. Depois de pesquisar sua vida e obra, ficou evidente que ele foi um espírito demolidor, que usou sua inteligência para afrontar as várias formas de hipocrisia, burrice, censura e intolerância – no que se aproximou da genialidade. No momento oportuno, Itararé deixava o “engajamento” de lado e era capaz de afirmar o seguinte: “Com Prestes ninguém conversa, ele fala sozinho” – sem deixar de considerar, por sua vez, com precisão corrosiva, que o líder do PCB era “O Cavaleiro da Esperança Malograda que viajava à URSS para tratar do ‘olho de Moscou’ atacado de conjuntivite aguda”.
O Barão que - segundo o seu filho, Arly - nunca se filiou aos quadros do PCB, assim se referiu a sua experiência político-partidária na “Gaiola de Ouro”, a Câmara de vereadores do Rio de Janeiro: “Foi uma das grandes coisas que me ocorreram na vida contra a minha vontade. Eu quero fazer silêncio tétrico sobre este assunto”.
PERGUNTA – Você tem algum novo projeto literário?
IPOJUCA – Planejo publicar nos próximos dois anos um longo estudo sobre as relações do Estado com o cinema, no Brasil. Chama-se “Crítica geral – o cinema segundo Ipojuca”. Editor eu já tenho, mas falta destrinchar material anotado durante décadas – o que vem sendo uma tarefa complicada e tempestuosa.
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