quinta-feira, 26 de junho de 2008

Falta vergonha na cara

por João Luiz Mauad em 25 de junho de 2008

Resumo: Além de desnecessário do ponto de vista fiscal, o novo tributo é uma aberração jurídica, flagrantemente inconstitucional, e possível apenas porque este continua sendo o país do “jeitinho”.

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No mesmo dia em que o país assistia, estupefato, ao depoimento da ex-diretora da ANAC, Denise Abreu, sobre o detalhamento das falcatruas que permitiram, através da intervenção providencial da Casa Civil, o enriquecimento ilícito de meia-dúzia de afortunados com a compra e posterior revenda da VARIG – no curto prazo de menos de um ano –, a Câmara dos Deputados nos brindava com mais uma demonstração de desprezo pelo contribuinte e escárnio com o eleitor.

Falo, evidentemente, da aprovação da tal CSS, sucessora da falecida CPMF. Sem que houvesse qualquer razão ou fundamento lógico para a criação do novo tributo, exceto, é claro, a volúpia arrecadadora do governo (já que a receita fiscal do Estado, após a queda da CPMF, cresceu este ano, contra todas as previsões catastróficas feitas ano passado, para mais de 38% do PIB), os deputados federais, liderados pela bancada petista (e incentivados pelo jogo sujo do Palácio do Planalto, que teria liberado mais de R$ 280 milhões em emendas parlamentares apenas nos 10 primeiros dias deste mês), comemoraram mais um assalto ao bolso do cidadão brasileiro.

Além de desnecessário do ponto de vista fiscal, o novo tributo é uma aberração jurídica, flagrantemente inconstitucional, e possível apenas porque este continua sendo o país do “jeitinho”. Sim, pois, de acordo com a lei maior do país, em seu artigo 154, a União somente poderia instituir, através de lei complementar, impostos de natureza não cumulativa, o que não é o caso da nova CPMF, um tributo de natureza absolutamente cumulativa, incidente em todos os níveis da cadeia de produção, distribuição e comercialização.

Para quem não está habituado às filigranas jurídicas, informo que o artifício utilizado pela Câmara dos Deputados tem a sua razão “malandra” de ser. Para a aprovação de uma “Lei Complementar” é necessária apenas a maioria simples, num único escrutínio, enquanto a aprovação de uma “Emenda Constitucional” – que seria o caminho legal correto – requereria, no mínimo, a aprovação de 3/5 dos deputados, por duas vezes. A CPMF, por exemplo, só foi derrubada no Senado porque se tratava de uma emenda constitucional e, portanto, a sua prorrogação estava sujeita à maioria qualificada de 3/5, nas duas casas do Congresso.

Enquanto os nossos representantes eleitos davam mais um show de esperteza e oportunismo, somando mais uns trocados ao insaciável cabedal do Estado brasileiro, sempre sob a desculpa esfarrapada e demagógica de beneficiar a saúde pública, o Banco Mundial (BIRD) publicava um longo estudo demonstrando, por A + B, que o que falta à saúde pública em Pindorama (como, ademais, em todas as áreas de atuação dos governos) não é dinheiro, mas gerenciamento e vergonha na cara.

De acordo com o estudo, publicado no jornal O Globo de 13/06, “o setor de saúde no Brasil gasta mal, desperdiça e é mal gerido”. Os responsáveis pelo relatório afirmam ainda que “a maioria dos hospitais é ineficiente em escala e produtividade”, e poderiam fazer muito mais com os recursos de que dispõem.

O relatório informa também que o custo de internação médio, por paciente, no Brasil, é de aproximadamente R$ 4.200,00, enquanto a média do setor privado está um pouco acima da metade disso. Ineficiência, desperdício, corrupção, desleixo: estes são os nossos problemas de saúde pública, não a falta de verbas. Gastamos com saúde mais do que a média dos países em desenvolvimento, mas todos esses recursos não revertem em qualidade de serviços. Muito pelo contrário: gastamos muito e produzimos muito pouco. Fica claro, portanto, que, se os serviços de saúde brasileiros são tétricos, não é por falta de verbas, mas porque os governos falham na gestão. Dar mais dinheiro a essa gente perdulária nada mais é do que premiar a incompetência.

O mais incrível de tudo isso, no entanto, é verificar que, afora algumas vozes isoladas, a esquizofrenia é tanta que o absurdo parece a coisa mais natural do mundo. Espoliam a sociedade em 10 bilhões de reais e quase não se vê qualquer indício de revolta. Enquanto noutros lugares revoluções acontecem por conta de aumentos de impostos, aqui em Pindorama quase ninguém ergue a voz para reclamar.

Felizmente, há exceções. Uma das poucas vozes dissonantes foi a do professor Adolfo Sachsida, de Brasília, cujo desabafo é a mais pura verdade e merece ser repetido muitas e muitas vezes:

“O que falta no Brasil é vergonha na cara. Não só dos políticos que aprovam aumentos de impostos (...). Falta vergonha na cara do povo brasileiro, que se acostumou à ajuda do Estado. As pessoas perderam a vergonha de depender do governo, perderam a vergonha de depender de outros para viver, perderam a vergonha de mendigar. Quando o governo fala em aumento de impostos, muitos aqui entendem isso como mais dinheiro no seu bolso: seja por transferências, seja por subsídios. Entendem o aumento da arrecadação como um sinal de que os gastos do governo, ou seja, sua esmola, também irá aumentar”.

Sábias palavras!

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