por Percival Puggina em 16 de junho de 2008
Resumo: Nada há de errado em que um partido da base exija, no governo, espaço correspondente aos votos parlamentares que agrega. A tragédia moral se instala quando os deputados, individualmente, passam a negociar seus próprios votos.
© 2008 MidiaSemMascara.org
É da natureza do pluripartidarismo, em qualquer sistema de governo, que as tarefas deste sejam conferidas aos partidos que o assumem, quer se apresentem como blocos, frentes, coalizões ou coligações. No Brasil, a instituição do segundo turno, inclusive, antecipou esse tipo de acordo para um momento anterior ao confronto eleitoral definitivo. Arranjos com vistas à conquista da maioria dos votos parlamentares só não ocorrem onde o espaço eleitoral é ocupado por apenas duas legendas antagônicas.
Portanto, não há novidade ou escândalo no rateio de cargos entre os partidos da coligação vencedora de um pleito, nem na atração de novas siglas para a base de apoio, se isso for conveniente, através de sua integração aos postos de comando providos pelo governo. Durante muito tempo, no Brasil, os acordos firmados entre os partidos exerciam força moral sobre a respectiva base parlamentar e as coligações majoritárias articuladas no pleito se mantinham durante todo o período de governo. Quando ocorriam desentendimentos e rupturas ao longo da gestão, as representações discordantes bandeavam-se, em bloco, para a trincheira oposicionista.
De uns tempos para cá isso mudou. Não basta ao governo agregar apoio entre legendas cujas cadeiras, somadas, representem a desejada maioria. Os acordos não se expressam biunivocamente na base parlamentar. Não basta compor a maioria. É preciso conservá-la a cada votação importante. O mensalão e o valerioduto são as mais famosas evidências dessa dificuldade e das graves implicações éticas que nela se enrolam. No entanto, reitero: nada há de errado em que um partido da base exija, no governo, espaço correspondente aos votos parlamentares que agrega. A tragédia moral se instala quando os deputados, individualmente, passam a negociar seus próprios votos.
Aqui, sim, há um problema. Mas mesmo esse, resulta minúsculo em relação a outro que decorre da fusão que, no Brasil, fazemos de coisas tão distintas quanto são o Estado, o governo e a administração. Ao unirmos tudo isso numa só pessoa, partidarizamos não apenas o governo, o que é normal, mas incluímos no pacote o Estado e a administração. Como decorrência, debilitamos a noção de Estado; enfraquecemos o governo que precisa negociar até mesmo o inegociável; e tumultuamos a administração. Através desta, que deve ser do Estado e não do governo (onde não há mais do que umas poucas dezenas de posições de mando), as peças de negociação no tabuleiro do poder saltam para dezenas de milhares, em prejuízo da competência e da profissionalização nas carreiras do serviço público, cujas direções e chefias estão sempre sob comando das legendas políticas.
Um dia, acordaremos. Deixaremos, então, de reclamar das conseqüências e passaremos, olhos abertos, mente alerta, a buscar as causas dos problemas dos quais nos queixamos. Elas estão no sistema político adotado pela Constituição Federal para o conjunto dos entes federados. Enquanto não fizermos isso, continuaremos, tolamente, a pensar que as coisas vão melhorar quando as pessoas nascerem mais virtuosas e quando os eleitores se tornarem mais zelosos, porque é exatamente isso o que presumem e ensinam quase todos os que influem na opinião pública.
Nenhum comentário:
Postar um comentário