segunda-feira, 16 de junho de 2008

GENOCÍDIO UCRANIANO AINDA É NEGADO

GENOCÍDIO UCRANIANO AINDA É NEGADO

Farol da Democracia Representativa

Os 250 mil descendentes de ucranianos do Paraná relembram hoje e amanhã os 75 anos de uma página triste da história do país de seus antepassados, ao mesmo tempo em que fazem uma cobrança à comunidade internacional.
Uma cerimônia cívico-religiosa - hoje em Curitiba, e amanhã, em Prudentópolis - homenageia as vítimas do "holodomor", a fome que matou entre 7 e 10 milhões de ucranianos de 1932 a 1933. Os eventos têm como símbolo uma tocha que está correndo o mundo até novembro.
Com a maior parte de seu território anexada à União Soviética, a Ucrânia se viu privada, no início da década de 30, dos cereais produzidos em suas terras férteis, como castigo à resistência contra a coletivização da propriedade privada. A crise teve raízes na quebra de safras na Sibéria em 1931, que levou o governo russo a requerer mais alimentos da Ucrânia. Em 1932, os camponeses ucranianos passaram a esconder suas colheitas, e o ditador russo Josef Stalin ordenou a lei das "cinco espigas", pela qual autorizou o roubo das propriedades.
"Tiravam a comida até da panela. Se uma criança tivesse uma batatinha na mão, tiravam e pisavam em cima", conta Marta Bega, de Ponta Grossa. Ela guardou na memória tudo o que a mãe lhe contou. "A avó da minha mãe morreu de fome...meus tios e primos também", lamenta. Aos 74 anos, ela é uma das sobreviventes do genocídio. Nascida em plena crise da fome, viveu graças à perseverança da mãe. "Ela foi uma heroína. Tinha 22 anos e andava 12 quilômetros para vender o que tivesse em ouro. Meu irmão tinha quase só barriga e cabeça", conta.
"Os soviéticos acreditavam que retirando o trigo ucraniano e exportando a preços baixos, conseguiriam quebrar a nação pela espinha", diz a professora de história eslava aposentada Oksana Boruszenko.
Wolodymyr Galat, que mora em Curitiba, tinha 7 anos quando a fome foi imposta ao seu país, mas escapou porque a familia morava na Ucrânia Ocidental, pertencente à Polônia. "Houve tentativas de mandar ajuda por meio da Cruz Vermelha, mas o regime soviético não aceitou", conta.
O cônsul da Ucrânia em Curitiba, Oleksandr Markov, conhece o horror da fome pelos relatos do pai. "Os corpos eram amontoados na rua. Quando uma carroça passava recolhendo, jogava todos em minas de carvão", diz.
A mágoa do povo ucraniano foi ampliada pela recusa da Rússia em reconhecer o holodomor. " O assunto é bastante obscuro", diz Rogério Ivano, professor de história da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Foi nos anos 80, e principalmente após a dissolução da União Soviética, em 1991, que começou o processo de reconhecimento do genocídio.
Só em 2006 o Parlamento ucraniano aprovou uma lei sobre o tema. Muitos países fizeram o mesmo. No ano passado, a Assembléia Legislativa do Paraná reconheceu o genocídio, mas o governo federal, ainda não.
"Queremos uma resolução da ONU sobre o tema" , diz Markov. Para ele, ucranianos que emigraram antes da fome acabaram salvando gerações sem saber, e trouxeram junto o dever de testemunhar. Foi assim com Wira Kloczak, de 83 anos, que chegou a Apucarana, norte do Paraná, com o marido, em 1947.
"Eu tinha 7 anos ( em 1932) e não tinha forças para subir na cama", recorda. Ela sobreviveu porque o pai escondeu sacos de milho em uma mina de carvão e buscava alguns quilos quando nevava, para não deixar rastros.
A filha dela, Ludmila Kloczak, doutora em psicologia, passou a vida ouvindo histórias trágicas. "Analisei a dificuldade dos sobreviventes de conviver com a memória dramática, que traumatiza até os descendentes", conta. "O mundo deveria obrigar o governo russo a pedir perdão", pede Wira.

Publicado pela GAZETA DO POVO - 13 DE JUNHO DE 2008

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