sexta-feira, 13 de junho de 2008

DAS OBRIGAÇÕES LILIPUTIANAS

DAS OBRIGAÇÕES LILIPUTIANAS

Farol da Democracia Representativa

Klauber Cristofen Pires
Fundador e Representante do FDR para a Região Amazônica


Jamais o nosso país foi governado por tanta legislação infra-legal! Pronto! Isto tem de ser dito assim! Qualquer introdução acabaria com um efeito de eufemismo. Caro leitor, esta é a mais pura verdade: em nosso país já não vige a lei, mas o decreto, a portaria, a instrução normativa, o aviso. Vivemos em uma democracia roída pelos cupins, ou melhor, vivemos em uma proto-ditadura!

O leitor leigo talvez não perceba o perigo em que incorre, e o leitor iniciado no Direito está por demais empolgado com a teoria do estado e do ato administrativo para ver nesta acusação algo grave. Porém, o alicerce primeiro de uma democracia, a lei, isto é, a vontade do povo materializada por seus representantes, está virando mera rotina pró-forma, para dar a barbudos de carteirinha o direito de mandar nos cidadãos conforme suas próprias ideologias e suas ambições pessoais.

Um caso muito conhecido é o do Incra, ao estabelecer índices de produtividade fixados nos picos máximos, com a finalidade - completamente deturpada - de facilitar a expropriação de terras. Porém, casos como este abundam a um número que seria impossível registrar, pois onde houver um espertinho com um DAS (cargo de confiança), aí estará mais uma nova fonte do Direito, assim como um navio onde todos os marinheiros tivessem nas mãos o seu próprio timão.

Segundo a doutrina jurídica, o ato administrativo legislativo nasceu com a idéia de explicitar a lei, de regulá-la, de possibilitar a aplicação a casos concretos que esta, devido à sua natureza genérica e abstrata, não pudesse prever. Para tanto, a própria lei passou a autorizar o poder executivo a regular tais situações. Entretanto, as coisas evoluíram, ou melhor, involuíram a tal ponto que hoje em dia vale mais a vontade de um sujeitinho prepotente de terceiro escalão do que até mesmo a Constituição!

Nas repartições públicas, os servidores encarregados de analisar as petições dos cidadãos ou os atos do poder público utilizam-se destes instrumentos, sem nem sequer confrontá-los com a lei ou com a carta maior. Aliás, na verdade mesmo, dado ao fato de que assumem a presunção de legalidade – até mesmo por ser um princípio do Direito Administrativo - mesmo que o cidadão confronte o servidor à obediência da lei ou da Constituição, terá seu argumento indeferido, e terá de buscar auxílio ao seu direito no custoso, moroso, inseguro e pró-estado poder judiciário.

Como chegamos a tal ponto? Se me for permitido apontar uma das razões, e esta será a principal, certamente, será a insaciável fome do estado de avocar para si legislar sobre tudo e sobre todos, interferindo onde não é necessário nem desejável, bem como a de alegar suprir determinadas demandas que, aliás, ele próprio as cria.

Como de cada ato de intervenção exsurge uma perturbação das regras anteriormente fixadas e conseqüentemente, a necessidade de adaptações por parte dos governados, não tarda a novas situações anômalas aparecerem que, por sua vez, servirão como novas oportunidades para a regulação estatal, assim como mais ou menos um sujeito tenta controlar os vazamentos de vapor em um sistema que ele mantém arbitrariamente sob pressão além da projetada, uma metáfora mais ou menos acertada para uma cascata de atos infra-legais como nunca se viu na história, de tal modo que às vezes nem tempo há para os cidadãos se adequarem às novas regras porque elas próprias já terão sido mudadas antes mesmo de qualquer oportunidade de cumpri-las.

Tal fertilidade, claro, tem os seus adubos, e o primeiro deles está dentro dos órgãos públicos, pois os servidores das novas carreiras que forem sendo criadas estarão ávidos por atribuições privativas que lhes possibilitem o poder necessário para a barganha de futuros aumentos salariais, e a conseqüência para o cidadão virá em uma cadeia mais ou menos padronizada em seu modus operandi: uma obrigação lilliputiana* passará a exigir dos indivíduos ou empresas o cumprimento de alguma coisa absolutamente dispensável, mas que sirva de pretexto ao órgão para justificar a sua existência e por conseguinte, aplicar o seu poder de polícia.

Do poder de polícia, advém a necessidade da cobrança de uma taxa para este fim e de um formulário a ser preenchido pelo cidadão, o qual, certamente, ensejará a cobrança de uma multa pelo preenchimento errôneo ou atraso na entrega. Adiante, também haverá um certificado de conformidade qualquer, que será uma licença ou algo assim, e que claro, poderá ter a sua expedição limitada por cotas, seja institucionalmente, com a finalidade de atender a um objetivo político ou informalmente, ufa, para cobrar aquele uísque que virá a molhar as gargantas daqueles a quem o General Augusto Heleno se referiu.

A esta altura, necessário se faz explicar a doutrina liberal. Muitos enxergam no liberalismo, até por que para isto foram educados, o estado do capitalismo selvagem. Nada mais mentiroso! As leis, em uma sociedade liberal, são de suma importância. Porém, aqui refiro-me às leis formais, ou seja, aquelas provenientes das casas legislativas, e onde a representatividade dos governados esteja fora de dúvida, o que, definitivamente, não é o caso do Brasil.

Quanto aos atos administrativos com força material de lei, o natural é entender que são, senão absolutamente dispensáveis, estes sejam usados com extremíssimo comedimento, até porque lhes faltará espaço onde possam se desenvolver. Em uma sociedade liberal, prevalecem as poucas e boas leis, aquelas claras e objetivas que todos conhecem, aquelas que a ampla maioria cumpre e aquelas que levam à cadeia seus eventuais e parcos renitentes, sem chances a meias desculpas. Como a grossa maioria das relações se dará entre indivíduos, e isto significa que agirão em igualdade de condições, sem os privilégios concedidos ao estado tal como ocorre nas situações regidas pelo Direito Administrativo, os detalhes que a lei não abrange por sua natureza abstrata são dirimidos pelo contrato.

*Do livro “As Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift – um decreto instituía que os lilliputianos teriam de doravante quebrar os ovos pelas parte mais pontuda, ao invés de tradicionalmente, pela parte mais larga. (Tecla SAP: uma alusão a uma ordem estatal totalmente fútil).

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