Mídia sem Máscara
17 novembro 2008
Editorias - Cultura
Quase ninguém gosta de ser avaliado. Há quem fuja até de exames médicos imprescindíveis. Estudantes detestam provas. Se você quer ver um sindicato de professores rodando a baiana basta sugerir uma avaliação sistemática da qualidade do ensino. No setor público, criam-se Planos de Cargos e Salários para carreiras que utilizam formulários de avaliação periódica, mas não se tem notícia de que alguém tenha sido demitido por incompetência. Aceita-se de bom grado prêmio por elevado desempenho, contanto que não haja punição ao mau desempenho e não se sustem os progressos automáticos nas carreiras.
Em 1996, foi instituído o Provão, com o objetivo tornar conhecido o nível e estimular a qualificação das instituições de ensino superior do país através de provas aplicadas a seus alunos, por método de amostragem estatística. A coisa não funcionou devido ao boicote de estudantes e professores. Tratava-se, então, de intolerável medida em favor da competição, coisa de FHC, aquele neoliberal como se sabe. No governo Lula, o Provão foi substituído pelo Enade - Exame Nacional de Desempenho de Estudante. E então, malgrado protestos da UNE e de alguns professores, acabou sendo levado a sério e vem alcançando seus objetivos no estímulo à qualificação dos cursos superiores.
No último dia 9 de novembro foi realizado o exame de 2008. Uma das questões comuns a todos os cursos informava que os países da União Européia estavam sistematizando suas leis de proteção às mulheres. Em seguida, apresentava aos alunos alternativas sobre temas que, a seu juízo, deveriam estar necessariamente contidos nessa legislação. A alternativa considerada como certa era esta: “violência doméstica e aborto”.
O gestor público que aprovou o conteúdo dessa prova e o respectivo gabarito incorreu em incitação ao crime e estabeleceu, por outro lado, no ambiente acadêmico, o delito de opinião. De fato, dado que aborto é crime, determinar com a segurança de um gabarito oficial que o aborto é uma coisa boa para as mulheres, constitui estímulo ao cometimento desse mesmo crime. E, considerando que a questão tem conteúdo opinativo, discordar do que pensa a autoridade pública nessa matéria foi conduta punida com redução de nota no exame. Incitação ao crime e censura à opinião divergente.
Muitos abortistas são serpentinos e incansáveis na sua malignidade. Derrotados em votações no Congresso e em todas as pesquisas de opinião pública, colocam seu desejo de sangue inocente acima da democracia e do império da lei. A pergunta e a resposta têm, claramente, o intuito de impor opinião onde ela não cabe, dada a impossibilidade de vencer o debate onde ele pode e deve ser estabelecido. É lamentável que, decorrida uma semana do exame, nenhuma autoridade tenha intervindo no assunto, não apenas para anular a maliciosa questão, mas para responsabilizar quem a aprovou.
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