Sábado, Novembro 22, 2008
Cerco à classe média. Ao separar metade das vagas de universidades federais para alunos de escolas públicas, Câmara pune o mérito e a competência - Por Gustavo de Almeida e Maíra Magro – IstoÉ
Depois de três anos parado, um projeto que anda na contramão do mérito foi aprovado na Câmara dos Deputados na quinta-feira 20. Se passar pelo Senado, dentro de quatro anos metade das vagas em universidades federais, onde se concentra a elite do ensino nacional, estará reservada para alunos que cursarem o ensino médio em escolas públicas. Dentro do grupo de estudantes beneficiados, haverá ainda subcotas em favor dos negros, pardos, indígenas e alunos de baixa renda. Ou seja, o vestibular que deveria selecionar os alunos mais bem preparados e com eles formar os melhores quadros para o País vai se afunilar ainda mais para poder compensar distorções econômicas, sociais e de formação educacional - que os deputados, claro, não pensaram como resolver.
"Fizemos uma ampla discussão e o texto foi aprovado por unanimidade em todas as comissões temáticas", explica o autor, o deputado Carlos Abicalil (PT-MT), 46 anos, mestre em educação. Ele, como a grande maioria da elite nacional, estudou em colégio privado e universidade federal, sem precisar de cotas. Segundo o projeto, dentro do percentual de vagas reservadas haverá prioridade para os alunos oriundos de famílias cuja renda per capita não passe de um salário mínimo e meio (R$ 622,50). As porcentagens de pardos, negros, índios e pobres vão oscilar conforme a variável étnica de cada Estado, estabelecida pelo IBGE. Os critérios de desempate no vestibular passarão pelo coeficiente de rendimento dos alunos nas escolas. O ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Fernando Peregrino, que atuou na implantação das cotas raciais nas universidades fluminenses em 2003, defende a medida: "Enquanto a escola pública não é fortalecida, precisamos dar tratamento emergencial à desigualdade de acesso", afirma. "Hoje, as pessoas mais preparadas para vencer no vestibular vêm das escolas particulares, e a lei de cotas vem combater isso." A favor do deputado Abicalil deve- se reconhecer o idealismo da proposta. Como não tem filhos, seu projeto, portanto, não atende a nenhum interesse imediato nem particular.
Para a procuradora Roberta Kaufmann, do Ministério Público do Distrito Federal e autora de uma tese de mestrado sobre ações afirmativas, o projeto é inconstitucional e traz resultados meramente simbólicos. "É uma política conveniente para o governo, que passa a imagem de estar fazendo alguma coisa, mas não ataca a raiz do problema, que é o ensino público de má qualidade", critica. De fato, a proposta tenta consertar no fim o que está errado na origem. "E há uma discriminação reversa, pois somente um grupo (os não beneficiados com as cotas) arca com as conseqüências dessa política cujo ônus deveria ser dividido pela sociedade." Como o número de vagas para o vestibular tradicional vai ser reduzido, é evidente que a nota de corte para quem está fora das cotas será ainda maior. O estreitamento do funil, portanto, atinge mais quem é branco e/ou estudou em escola privada, mas pune antes de tudo a qualificação e a competência.
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