quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Um contrato só é bom quando eu ganho?

Mídia sem Máscara

26 novembro 2008
Editorias - Economia, Livre iniciativa

Li, recentemente, no jornal Folha de São Paulo, uma notícia que merece comentários, embora não surpreenda:

Alegando desconhecer o risco que corria, a Damarfe Produtos Químicos, uma fabricante de produtos para piscinas de Diadema (SP), decidiu recorrer à Justiça para cancelar um contrato firmado com o Banco Itaú, em 15 de agosto deste ano. João Resio, proprietário da empresa, acusa o banco de ter lhe oferecido um modelo de financiamento que não era compatível com o porte financeiro de sua empresa – ele fatura R$ 500 mil mensais – e que o banco não lhe explicou claramente que o negócio era complexo e atrelado à variação do dólar. Pelo contrato, a empresa obteve o benefício da redução da taxa mensal de juro, de 1,9% para 1,6%. Em contrapartida, a empresa se comprometeu a cobrir cada centavo de parte do montante emprestado - convertido em dólar -, caso a moeda americana passasse de R$ 1,71.

“‘Entendi que o banco tinha me oferecido um refinanciamento que reduzia meu juro. Do dia para a noite descobri que tinha uma dívida de cerca de R$ 95 mil com o Itaú por conta da alta do dólar. Aí, fui ver que o contrato era igualzinho ao feito pelas gigantes Aracruz, Sadia e Votorantim. Isto é, sem eu saber de nada, o banco me induziu a assinar um contrato, dizendo que era bom negócio para mim, sem me explicar que estava atrelado ao dólar. Quero agora o cancelamento do contrato’.” (grifos meus)

De tão absurdas, acho que a Justiça não deveria sequer analisar causas semelhantes, as quais deveriam ser recusadas de pronto, sem que nem mesmo fosse convocado o “réu” (haja vista os custos que isso envolve). No entanto, esse tipo de ação é cada vez mais comum e, pior, as chances da parte autora obter algum êxito são cada vez maiores, graças, sobretudo, à mentalidade reinante, segundo a qual a “parte mais forte” é sempre a vilã, e a “mais fraca” a vítima.

A fala deste senhor João chega a ser ridícula, pois qualquer empresário sabe o que vem a ser um contrato de risco. Não tem essa de “não sabia”. Ninguém, e muito menos um empresário com receita mensal de $500 mil, pode ou deve assinar um contrato com banco, agiota, fornecedor, cliente ou qualquer um sem conhecer as bases sobre as quais está contratando. Financiamento em moeda estrangeira é comum em qualquer parte do mundo. Com ele pode-se ganhar ou perder.

Em 1999, eu havia comprado um carro através de leasing, corrigido pelo IGP-M, enquanto muita gente, na época, fizesse leasing cambial, cujos juros eram bem mais baratos. Quando veio a crise do câmbio e o preço do dólar disparou, os coitadinhos foram todos chorar no colo da justiça, e a maioria obteve ganho de causa para corrigir a dívida pelo IPC. Enquanto isso, os bobalhões, como eu, que havíamos feito um contrato mais caro, porém mais seguro, ficaram chupando dedo, com cara de otários.

Essa mentalidade de passar a mão na cabeça dos marmanjos é que faz desse país um grande pandemônio, sem qualquer segurança jurídica para quem investe. Não acho que banqueiro seja santo, longe disso, mas passar a mão na cabeça de indivíduos imprevidentes, desses que dizem assinar contratos sem ler, é um absurdo. Aliás, é imoral, pois não devemos esquecer que o custo do dinheiro, para quem paga suas dívidas – em dia, claro – é altíssimo no Brasil, dentre outras coisas, por conta desse paternalismo judicial e o “coitadismo” com os devedores.

A base do capitalismo liberal é, antes de tudo, a responsabilidade irrestrita do indivíduo sobre os próprios atos, desde que esses atos sejam livres e voluntários. Tudo bem que uma velhinha de oitenta anos possa ser ludibriada pela lábia de um gerente esperto que lhe venda um plano de previdência do qual ela jamais chegará a beneficiar-se, mas alguém que se quer empresário dizer que não sabia o que estava fazendo quando assinou um contrato?

Se o banco dá crédito a quem não tem perfil, cadastro ou garantias reais a oferecer, como no caso das famigeradas hipotecas sub-prime, está assumindo um grande risco. Não tem porque a justiça interferir ou o Estado salvá-lo em caso de perda. Para o outro lado, vale a mesma regra. É muito fácil ser empresário quando os contratos só valem “quando é bom pra mim”.

Ninguém precisa saber economia para bem administrar um negócio. Basta saber ler, fazer as quatro operações, não ter medo de decidir e ter um pingo de bom-senso, além da capacidade de assumir a responsabilidade pelos próprios atos, é claro. Num Estado de Direito, todos são iguais perante a lei. Pequeno ou grande, todos devem ser cobrados da mesma forma. Assim como a maioria de nós é contra o salvamento de bancos imprevidentes, não podemos ser favoráveis ao paternalismo sobre os pequenos empresários.

Não custa lembrar também que, no momento em que se protege um pequeno empresário inadimplente ou imprevidente, um concorrente dele, mais previdente e austero, estará sendo sacrificado. Ocorre aqui exatamente a mesma coisa de quando o governo concede anistia a devedores de impostos. Muitas vezes só olhamos para os beneficiados, aqueles “coitados” que não conseguiram pagar ao fisco. Mas e os concorrentes, aqueles terceiros interessados que não aparecem em cena, mas que fizeram das tripas coração para honrar todos os compromissos, muitas vezes deixando de ganhar uma concorrência porque não tinham preço para competir com quem simplesmente não pagava os impostos?

Me digam: quanto lucraram, durante o período em que o dolar só caía, os empresários que se financiaram com créditos atrelados ao câmbio, enquanto os seus concorrentes, menos suscetíveis ao risco, faziam as suas operções em bases, digamos, mais conservadoras? Devem aqueles devolver os gordos ganhos que auferiram?

Eu conheço alguns pequenos investidores que estão perdendo elevadas quantias na bolsa. Há um que vendeu um apartamento para comprar outro. Enquanto aguardava, resolveu investir o dinheiro na bolsa e perdeu, até agora, mais de 60% do valor aplicado. Ficou sem o apartamento e sem boa parte do dinheiro. Você acha, caríssimo leitor, que o governo deve vir em sua ajuda? Decerto que não. Mas qual a diferença entre ele e o empresário que apostou contra o dólar e contraíu dívidas atreladas ao câmbio? Nenhuma. Ambos fizeram as apostas erradas, o que é do jogo.

Quando defendemos a liberdade, defendemos também o direito ao erro. A liberdade não pressupõe que o indivíduo vá tomar sempre as decisões corretas. O erro faz parte da vida. Um pai que não dê chance ao filho para que este cometa os seus próprios erros não está criando um homem, mas um parasita.

É preciso deixar claro que não estamos falando aqui de fraude ou descumprimento de contrato. Se alguém vende gato por lebre, isso é fraude, desrespeito ao direito de propriedade, assunto devidamente tratado na lei de qualquer sociedade que se preze. Se alguém vende produto que não funciona ou não funciona de acordo com o anunciado, isso também é fraude. Se alguém vende e não entrega, isso é descumprimento do pactuado.

Mas esse não é, definitivamente, o caso dos empréstimos com cláusula cambial. Os contratos bancários costumam ser bastante completos – podem ser complexos e possuir letrinhas pequenas, mas dizem tudo que precisamos saber. Se o empresário assina o papel sem ler, ou assume riscos que não conhece na sua totalidade, mas que lhe foram informados, aí o problema é dele. Isso é algo muito diferente de comprar uma TV que não funciona, por exemplo.

De forma nenhuma, volto a frisar, eu sou contra o ressarcimento de consumidores lesados, até porque o direito de propriedade e a garantia do cumprimento de contratos são, para qualquer liberal, sagrados. Tampouco eu jamais seria contra o direito inalienável de qualquer um pleitear indenizações pela via judicial. O que sou contra é essa indústria das indenizações e a vitimização do consumidor, na maior parte das vezes tratado pelo Estado como um boçal, enquanto empresários costumam ser os ogros vilões que só querem nos passar a perna. No caso dos bancos, isso é levado ao extremo, como se eles fossem a reencarnação do lobo mau e nós, os correntistas/clientes, um bando de chapeuzinhos-vermelhos desamparados. Chega a ser patético – e depois ninguém sabe por que as tarifas e os juros são tão altos no Brasil.

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