sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Por que votei nulo

Mídia sem Máscara

14 novembro 2008
Editorias - Política

Domingo, após encerrado o segundo turno das eleições municipais, houve um debate na Globo News em que se discutia a quantidade de abstenções, votos nulos e brancos na cidade do Rio de Janeiro. A horas tantas, o locutor vira-se para um dos comentaristas e pergunta: “A que se deve a falta de consciência política desse eleitorado que deliberadamente deixa de exercer o direito de voto?”.

O comentário do apresentador, malgrado estúpido, resume com precisão a mentalidade reinante no país, onde o exercício do voto é considerado por muitos, especialmente as autoridades e os formadores de opinião, assunto de suma importância, quando não a panacéia para os problemas do país em geral e dos indivíduos em particular. A Justiça Eleitoral, por exemplo, nas suas inúmeras inserções publicitárias durante o período eleitoral, passava a mensagem de que o futuro de cada cidadão dependia do respectivo voto. Implicitamente, estavam nos dizendo que nossa vida será boa ou ruim não pelo que nós fizermos em nosso trabalho diário, nosso empenho e dedicação nos afazeres do dia-a-dia, etc., mas sim pelas escolhas que fizermos nas urnas.

A cada eleição, mais gente compra essa idéia tacanha e deposita, junto com o voto, todas as suas esperanças no governo provedor e inesgotável, esquecendo-se de que o sucesso de cada um não está na benevolência dos políticos e burocratas, mas na motivação, na determinação, na disciplina e, acima de tudo, no trabalho árduo. Eu não sei que futuro pode ter uma nação em que os indivíduos, na sua maioria, confiam cada vez menos no esforço próprio e muito mais nas graças de governos populistas e distributivistas.

Aliás, eu sei: essa filosofia política levará o Brasil à ruína. Nenhuma sociedade progride baseada na dependência do governo; na cultura que penaliza o mérito e premia a preguiça.

Essa é, não por acaso, a mesma mentalidade velhaca que determina a obrigatoriedade do voto. Esta imposição, aliada à maciça propaganda segundo a qual a solução dos nossos problemas depende do bom uso que fizermos desse “direito” – entre aspas, sim, pois um direito legítimo não pode jamais ser imposto coercitivamente –, ao mesmo tempo em que legitima o mandato político dos abutres que aí estão, acaba reforçando a tese funesta de que o nosso futuro não depende de nós mesmos, mas do acerto com as urnas.

Por isso, é estúpido dizer que abstenção é sinônimo de falta de consciência política. Pelo contrário, nas atuais circunstâncias, esta é a única forma de dizer que não concordamos com a mentalidade reinante.

Eu votei nulo, tanto no primeiro quanto no segundo turnos. Aqui no Rio de Janeiro não consegui achar um só candidato a vereador que merecesse o meu voto. Não havia um só que, nem de longe, tivesse idéias próximas das de um liberal.

(Um amigo chegou a convidar-me para uma pequena reunião em sua casa, onde estaria um candidato que faria apresentação de suas propostas. O garoto era muito bem articulado e discorreu sobre as centenas de projetos que já propôs e outros tantos que pretendia propor caso reeleito. Falou sobre sua luta por transporte gratuito para estudantes e velhos, etc. Depois que ele acabou o discurso, levantei e disse, em tom jocoso, que a cada um dos projetos de lei que ele citava, o meu bolso doía. Falei que “não existe almoço grátis” e todas aquelas coisas que um liberal chato gosta de mencionar, como “as leis abundam em estados corruptos”, etc. Perguntei se ele sabia quanto o IPTU da cidade havia subido durante a última legislatura, mas isso ele não soube responder. Pedi-lhe então que, em seu próximo mandato, esquecesse um pouco a fartura de projetos e pensasse mais em atuar como um fiscal dos gastos municipais e dos aumentos de tributos. Se o meu discurso serviu para alguma coisa, só o tempo dirá.)

Para prefeito também não havia um só candidato que eu pudesse escolher sem o constrangimento de estar votando contra as minhas idéias e convicções. Fora a candidata do prefeito atual, cuja última administração foi uma lástima, só havia gente da esquerda mais retrógrada. No fim, sobraram Gabeira – candidato do PV e queridinho da Zona Sul, apoiado por gente da estirpe de Oscar Niemeyer e Leonardo Boff – e Eduardo Paes, que entre outras coisas aliou-se a Lula, depois de tê-lo escorraçado durante a CPI do Mensalão. Entre os seus adeptos de última hora figuravam Benedita da Silva e Vladimir Palmeira. Uma lástima!

Alguns amigos tentaram convencer-me a votar no Gabeira. Alegavam que o voto útil, nesse caso, era uma boa alternativa. Agradeci, mas declinei do convite. Não podia, depois de tudo que já escrevi sobre a sanha ambientalista, por exemplo, votar em favor de alguém patrocinado pelo famigerado Greenpeace, além de apoiado por eméritos stalinistas e próceres da Teologia da Libertação.

A última vez em que optei por um “voto útil” foi na eleição de senador, quando, para rechaçar a comunista Jandira Feghali, votei em Francisco Dornelles. Arrependi-me! Dornelles não só aliou-se a Lula e ao PT, como tornou-se um dos maiores e mais persistentes defensores da prorrogação da CPMF (que Deus a tenha!) no Senado. Sua atuação foi exatamente no sentido oposto de tudo que eu defendo. Depois dessa, concluí que o “voto útil” é uma grande furada, e decidi que só voltaria a votar quando fosse a favor de alguém. Chega de votar contra!

Ao contrário do comentário daquele apresentador, o “não voto” demonstra muitas vezes muito mais consciência política do que o próprio voto, especialmente se utilizado, como no meu caso, como uma arma na luta contra a obrigatoriedade espúria do exercício daquilo que deveria ser um direito.

Eis por que acredito que esta possa vir a ser uma excelente bandeira. Vejam os números do Rio de Janeiro, diretamente do TRE:

Total de votos em Eduardo Paes: 1.696.195 = 37,03%

Total de votos em Fernando Gabeira: 1.640.979 = 35,85%

Total de abstenções, brancos e nulos: 1.242,200 = 27,13%

Daqui a uma ou duas eleições, dependendo do “approach” junto à opinião pública, quem sabe não chegaremos, senão à maioria, pelo menos ao primeiro lugar? Não é algo que se consiga da noite para o dia, claro, mas já não estamos muito distantes disso. Conheço muita gente que continua fazendo “voto útil”. Será que parte desse pessoal não compraria a idéia, especialmente se visse nela alguma utilidade?

A lógica da estratégia é a seguinte: será difícil aos políticos ficar indiferentes, no dia em que as abstenções (mais nulos e brancos) tornarem-se maioria, pois a mídia certamente dará grande destaque ao fato. Além da fortíssima mensagem – a tal voz das urnas – que um resultado desse representaria, é inegável que, do ponto de vista moral, seria muito menos vergonhoso para eles (políticos) conviver com tal fato se o voto não fosse uma imposição legal.

Autor: João Luiz Mauad

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