quinta-feira, 5 de junho de 2008

Uma passagem perigosa

por Jeffrey Nyquist em 04 de junho de 2008

Resumo: Se já há distúrbios e revoltas por comida no Terceiro Mundo em função dos altos preços do petróleo, imaginem o que aconteceria se o Irã fechasse o Estreito de Ormuz amanhã. Esta é a realidade estratégica, gostemos dela ou não.

© 2008 MidiaSemMascara.org


No Ocidente, políticos estão preocupados com a tentativa do Irã em desenvolver armas nucleares. O Irã oficialmente nega qualquer tentativa nesse sentido. “Estamos desenvolvendo energia nuclear para fins pacíficos”, dizem os iranianos. Como que para alimentar ainda mais os temores no estrangeiro, os iranianos se recusam a permitir o tipo de supervisão que garantiria que seu programa é pacífico. A Secretária de Estado Condoleezza Rice pergunta-se por que os iranianos insistem em enriquecer urânio em seus próprios termos. Por que um país rico em petróleo arriscaria uma confrontação com os Estados Unidos para desenvolver usinas nucleares das quais não têm necessidade?

O leitor poderia perguntar por que isso tudo deveria representar um problema. Afinal, por que o Irã não deveria desenvolver energia e armas nucleares? Os Estados Unidos e a Rússia têm milhares de ogivas nucleares. Por sua vez, Grã-Bretanha, França, China e Israel têm algumas centenas de ogivas. E o Paquistão está fabricando armas nucleares, em disputa com a Índia. O problema tem tudo a ver com a orientação ideológica do Irã e com o apoio iraniano ao terrorismo islâmico. O presidente do Irã sugeriu que Israel precisa ser “varrido do mapa”. Outros altos funcionários iranianos especularam publicamente sobre a eliminação de Israel por meio de ataques nucleares, acrescentando que o mundo muçulmano sobreviveria à retaliação israelense, pois o mundo muçulmano é vasto e populoso. Um ataque assim poderia valer a pena. Declarações desse tipo são perturbadoras e o presidente George W. Bush prometeu bloquear o programa nuclear do Irã. Não é segredo que os Estados Unidos preparam uma opção militar caso o Irã se recuse a desistir desse programa. Os americanos já impuseram sanções ao Irã.

Os israelenses também estão preocupados e o ex-primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, fez repetidas declarações sobre uma “ameaça iraniana” que precisa ser enfrentada de maneira decisiva. Ele não mede palavras. De acordo com Netanyahu, “somos obrigados a acreditar naqueles que prometem nos aniquilar”. Ele aponta para o exemplo de Hitler, que publicamente ameaçava erradicar os judeus da Europa. Falando diante da assembléia anual das Comunidades Judaicas Unidas, ele disse: “O ano é 1938 e a Alemanha de então é o Irã [agora]. O Irã está numa corrida para se armar com bombas atômicas. Algo precisa ser feito antes que seja tarde demais. Israel certamente seria a primeira parada do tour de destruição iraniano, mas considerando a planejada taxa de produção de vinte e cinco bombas nucleares ao ano... [o arsenal iraniano] será direcionado contra ‘o Grane Satã’, os Estados Unidos, e contra o ‘Satã moderado’, a Europa. Numa crítica dirigida à comunidade internacional, Netanyahu disse que ninguém se importou com o destino dos judeus sob Hitler, “e ninguém parece se importar agora”. O programa nuclear iraniano, alertou Netanyahu, “vai muito além da destruição de Israel... é um programa global a serviço de uma ideologia ensandecida”. Ele acredita que um ataque israelense contra o Irã pode ser necessário.

A situação no Oriente Médio está supurando. O president Bush parece concordar com o raciocínio de Netanyahu. De acordo com especialistas, os preparativos americanos para uma confrontação com o Irã vêm sendo feitos há anos. Todos sabem que os Estados Unidos têm os mísseis Cruise e os bombardeiros necessários para despedaçar as mais profundas instalações nucleares iranianas, depois de destroçar a rede de defesa aérea iraniana. Um simples ataque aéreo resolveria o problema nuclear iraniano, de uma vez por todas. Mas o problema não é tão simples.

O presidente americano bombardearia o Irã depois que, no ano passado, o líder russo Vladimir Putin advertiu contra tal medida? O presidente Bush parece não considerar as advertências de Putin, recusando-se a acreditar que seu “amigo” colocaria a Rússia em confronto direto com os Estados Unidos. Afinal, por que se preocupar com o fato de que a Rússia armou o Irã com mísseis antinavio? Por que se preocupar com o fato de que o programa nuclear iraniano não teria saído do chão sem a ajuda russa? Vejam o preço do petróleo, que a Rússia vende em grandes quantidades no mercado mundial. Vai ao encontro dos interesses russos complicar ainda mais as coisas no Oriente Médio.

Mas o Irã não é um país tão fácil de derrotar quanto o Iraque. Em qualquer confrontação militar final, os iranianos têm o trunfo decisivo. Eles podem fechar o Estreito de Ormuz.



Considerando o alto preço do petróleo hoje, o presidente americano criaria uma zona de batalha em volta da mais sensível artéria de escoamento petrolífero em todo o mundo? Se o barril de petróleo chegar a duzentos dólares, a economia global vai chiar, e muito. Como reagiria a economia americana tendo que lidar com a gasolina a dez dólares o galão? Talvez isto explique por que o presidente ordenou que fossem acrescentados 70.000 barris de petróleo por dia à Reserva Estratégica de Petróleo dos Estados Unidos.

O Irã possui vários milhares de mísseis balísticos móveis de curto e médio alcance. Esta considerável força de ataque poderia causar sérios danos às instalações petrolíferas e à infra-estrutura da região. O Irã dispõe também de grande número de mísseis antinavio, e recebeu da Rússia os mísseis Cruise supersônicos SSN-X-26 Yakhont (com alcance de 300 km). Este míssil foi projetado para liquidar os grupamentos navais americanos liderados por porta-aviões. Como é que navios petroleiros poderiam entrar ou sair do Golfo Pérsico em segurança, quando a entrada está ao alcance dos mísseis iranianos?

O poderio aéreo americano não pode destruir em tempo e adequadamente a ameaça ao Golfo Pérsico apresentada pelos mísseis iranianos: mísseis com lançadores móveis são difíceis de rastrear e destruir. Além disso, as defesas aéreas iranianas são superiores às que o Iraque tinha. Os pilotos americanos talvez não tenham as mesmas vantagens de que desfrutaram no Iraque e no Afeganistão.

Mesmo que Bush se abstenha de bombardear o Irã, os israelenses quase certamente lançarão ataques aéreos por conta própria. Tais ataques desencadearão uma guerra de grandes proporções no Oriente Médio. De acordo com Michael Hirsch, escrevendo na edição de 7 de maio da revista Newsweek, “um número de circunstâncias se alinham para fazer com que um ataque israelense ao Irã seja mais provável antes do final de 2008”. Aparentemente, os israelenses acreditam que o Irã terá armas nucleares já em 2009 ou em 2010. Eles crêem que a diplomacia falhou. Eles temem que o sucessor de Bush se mostre fraco de vontade. Eles vêem a força de retaliação iraniana crescendo. O tempo, portanto, está se acabando.

Por sua vez, o presidente Bush compreende o que os israelenses estão obrigados a fazer. Todavia, não importando o quão pronto e disposto ele possa estar para atacar o Irã, Bush não poderá agira com eficácia sem a aprovação do Congresso. Este já está ameaçando reter ou suspender fundos para operações militares. Até mesmo os republicanos no Congresso perderam a vontade quanto a uma confrontação no Oriente Médio. Numa surpreendente derrota para os preparativos de guerra do presidente, o Senado americano votou (97 a 1) pela interrupção do incremento à Reserva Estratégica de Petróleo dos Estados Unidos até o final deste ano. A Câmara dos Deputados aprovou lei semelhante, numa votação de 385 a 25. O presidente Bush não pode vetar essas medidas porque elas foram aprovadas por maiorias esmagadoras.

É imprudente que um presidente ataque outro país quando o seu próprio país não está unido. É imprudente atacar o Irã quando este é apoiado pela Rússia. É imprudente transformar a mais sensível artéria petrolífera do mundo numa zona de guerra. A economia americana já enfrenta dificuldades. O petróleo já ultrapassou os US$120/barril. Há limitações ao poder e talvez seja difícil para o presidente Bush aceitá-las. Ele atacará o Irã?

Os argumentos em favor de um ataque são argumentos razoáveis. O Irã é governado por fanáticos perigosos que estão tentando obter armas nucleares. Mas o Irã já possui uma capacidade de paralisar o mundo. O Irã tem armas mortíferas apontadas para a artéria mais vital do mundo. Se já há distúrbios e revoltas por comida no Terceiro Mundo em função dos altos preços do petróleo, imaginem o que aconteceria se o Irã fechasse o Estreito de Ormuz amanhã.

Esta é a realidade estratégica, gostemos dela ou não.



© 2008 Jeffrey R. Nyquist

Publicado por Financialsense.com

Tradução: MSM

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