Correio Braziliense, 03 Fev
Jarbas Passarinho
Cesari Battisti é um exemplo de criminoso comum, cooptado pelo terrorismo que grassava em parte do mundo, nos anos 1970. Na Itália, as extremistas Brigadas Vermelhas sequestraram, torturaram e assassinaram o pacifista presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro, homem incapaz de odiar. O “crime” dele consistia em estar tentando coalizão com o Partido Comunista Italiano, negociação conhecida como o “compromisso histórico” em favor da consolidação da democracia
Uma pequena organização terrorista, sob nome pomposo de Proletários Armados pelo Comunismo, ligada às Brigadas Vermelhas, tinha entre seus líderes Cesare Battisti. Na Alemanha, atuava a Baad Meinhof, na França, a Ação Direta e, no Japão, o Exército Vermelho, todos vencidos pelos meios do Estado de Direito Democrático. Condenado Battisti à prisão perpétua, como autor, ou mandante, de quatro homicídios, fugiu para a França e anos depois para o Brasil. Preso pela Interpol, o presidente Prodi, de esquerda democrática, pediu a extradição dele em
Battisti, assistido por advogados de esquerda, pediu refúgio político. O ministro da Justiça concedeu-o, apesar de o Comitê Nacional para Refugiados Políticos (Conare), órgão que lhe é subordinado, haver dado parecer contrário, como também o fez, ouvido previamente, o digno procurador-geral da República. A manobra da concessão do asilo fora clara. Tornaria extemporâneo o processo no Supremo. O impacto, na Itália, gerou protestos nem sempre diplomáticos. A carta do presidente italiano para o presidente Lula, em termos diplomáticos, foi, entretanto, tornada pública na mídia italiana, antes de o destinatário recebê-la. Fortemente irritado, Lula apareceu na TV, exigindo respeito à soberania nacional e, peremptório, fez ver que “a Itália teria de a respeitar”.
O jurista Miguel Real (o pai) já nos deixou a conceituação de soberania absoluta: “O Estado soberano pode determinar seu próprio destino, interna e externamente, mas essa liberdade é pautada nos compromissos internacionalmente assumidos”. Abrandada a agudeza, Lula acaba de “afirmar que ao Supremo caberá a decisão final sobre Battisti”. O Supremo pediu inicialmente o parecer do procurador-geral, que agora propõe o arquivamento do processo de extradição, já que possivelmente perde a razão de ser, pois lhe foi concedido o status de refugiado político.
O ministro da Justiça se antecipa ao julgamento pelo Supremo. Se rejeitar a concessão de refúgio “será uma anomalia”, porque “não pode o STF entrar no mérito da concessão, mas apenas discutir a constitucionalidade”. À antecipação do julgamento lhe dá o Estadão o título de “profeta judicial”. Vai além da profecia, porém. Critica a omissão da legislação penal italiana: “A frustração italiana é causada porque, ao contrário do que houve no Brasil, a Itália não contou, até agora, com uma lei de anistia”.
O estranho, para outros, é precisamente o fato de que o ministro da Justiça não vê com bons olhos a interpretação da Lei de Anistia brasileira quanto aos “crimes conexos”. Acha que a lei não pode anistiar crimes de tortura, que seriam delitos comuns, imprescritíveis, mas silencia sobre o terrorismo. O “profeta” mereceu do presidente do Supremo a advertência: “O terrorismo também é imprescritível, é bom saber”. Bobbio, em O tempo da memória, cita de Salvemin: “A arte do profeta é perigosa e é melhor ficar longe dela”.
O Correio Braziliense, de 20 de janeiro passado, abriga artigo do presidente da OAB do Rio de Janeiro em que diz: “O julgamento italiano de Battisti foi feito ‘em desacordo com as regras do Estado Democrático de Direito. A primeira é ter sido condenado à revelia’. Juristas discordam: “A garantia da defesa cabe aos advogados do réu revel. Ademais, a condenação, por unanimidade, foi referendada pela Corte Europeia de Direitos Humanos.
As questões jurídicas, é claro, suscitam controvérsias. Os que defendem o inocente Battisti, dizem-no perseguido pela direita italiana. Já para o professor Roberto Romano, insuspeito de simpatia pela direita, “cada vez se torna mais claro que a concessão do refúgio ao criminoso italiano Cesare Battisti é por motivação partidária e ideológica. Em vez de diplomacia, houve atuação partidária em escala internacional”. E é isso que está por trás do asilo político. Confirma-o o próprio ministro. Ampara-se no artigo 4º, item X da Constituição, que adota a concessão de asilo político nas nossas relações internacionais. Mas esqueceu o item VIII do mesmo artigo: “Repúdio ao terrorismo”. Princípio, aliás, amplamente repetido no Estatuto dos Refugiados, lei de 1997.
Esquerdistas há que seguem Marighella, para quem terrorismo não é crime, é arma lícita de guerra, e tortura é crime hediondo.
Foi ministro de Estado, governador e senador
http://www.ternuma.com.br/jpassarinho092.htm
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